Num mundo ideal, viveríamos sem estado e sem política. Nesse mundo, a ordenação social seria feita por via contratual, onde os directos interessados estabeleceriam as convenções e os acordos que entendessem e melhor servissem as suas necessidades e interesses. O respeito por essas convenções e por esses contratos estaria assegurado por normas jurídicas gerais e abstractas de geração espontânea, e por um aparelho de justiça inteiramente dedicado à sua fiscalização e à aplicação dessas normas. O desrespeito pelas decisões judiciais seria penalizado por agências criadas especificamente para mobilizarem a força necessária e suficiente para as fazerem acatar, e para reporem a ordem social espontânea e os direitos individuais.
No mundo em que vivemos – em que sempre os homens viveram – as coisas não são assim e não se bastam por elas mesmas. O nosso mundo é o da política – foi-o sempre -, e da política nasceu o estado, o governo e as demais instituições representativas que cumprem aquelas funções e outras que vão sendo resultado de necessidades sociais sentidas e da racionalidade do aparelho de poder, ele mesmo gerador de finalidades e objectivos próprios. O problema do estado reside essencialmente no seu crescimento e nas formas de o conter.
Como cresce o estado? E como se pode impedir o seu crescimento para além dos limites naturais que o pacto social liberal concebe? A resposta a estas questões não é linear, mas também não é impossível. Historicamente, nas sociedades europeias é relativamente fácil entender como cresceu o estado: pela ausência da sociedade civil. Frequentemente, do esvaziamento desta, promovido ao longo dos anos por quem detém o poder público. Esta racionalidade de crescimento da soberania não depende de regimes políticos, e atravessa-os mesmo quando neles se verificam rupturas violentas. Foi o que ocorreu em França, na passagem do Ancien Régime para o novo estado saído da Revolução iniciada em 1789. A França, país modelo do estatismo europeu, não enveredou pela centralização e pelo estatismo a partir da Revolução, como habitualmente se acredita. Essa transição começou muito tempo antes e manteve-se e desenvolveu-se depois. O aparelho administrativo do estado francês só foi, de resto, desmobilizado, apenas na aparência, após a Revolução. O que lhe era essencial manteve-se e aprofundou-se. O estatismo é uma força que não se deixa abater por revoluções.
Alexis de Tocqueville, um conservador-liberal francês preocupado com o estatismo do seu país, descreveu exemplarmente este processo no seu livro O Antigo Regime e a Revolução. Segundo Tocqueville, a centralização inicia-se, pelo menos, na segunda metade do século XVI, com o esvaziamento dos corpos sociais intermédios, da nobreza e dos municípios, em favor de uma burocracia régia, progressivamente centralizada em Paris. A nobreza mantém os seus privilégios – nomeadamente os fiscais -, mas perde progressivamente poder. Ao invés da aristocracia inglesa – a quem se aplicavam, por igual, as mesmas regras fiscais dos outros corpos sociais (os privilégios eram somente concedidos aos mais desfavorecidos) -, a nobreza francesa deixa-se docemente adormecer nessas aparentes vantagens, deixando de ser uma aristocracia, no sentido originário do termo, passando a ser uma casta. Esta estagnação impediu a selecção social das pessoas mais dotadas e a sua ascendência natural nas funções sociais. Os processos sociais normais de ascensão são substituídos pela decisão burocrática. A quase impossibilidade de casamentos entre nobres franceses e pessoas provenientes de outros estratos sociais (que não ocorria, há muito, em Inglaterra) agravou mais ainda essa situação. Por sua vez, as liberdades locais das cidades e municípios são também progressivamente diminuídas em favor da centralização. Para se ter ideia do nível que atingiu a burocracia e o aparelho de estado, basta referir – como faz Tocqueville – que Richelieu, que não era propriamente um liberal, se viu na necessidade de extinguir mais de cem mil ofícios, no seu tempo, em pleno século XVII. Quando surge a Revolução, ela ocorre essencialmente em Paris, e as reacções locais ou não se fazem sentir, ou são facilmente esmagadas pelos representantes da capital.
Dito de outro modo, o modelo estatista francês, que serviu de exemplo para a maioria dos países da Europa Continental, impôs-se progressivamente, ao longo dos anos, por uma estratégia de esvaziamento da sociedade e dos corpos sociais autónomos. Este caminho encontramo-lo em muitos outros países, como por exemplo Portugal, onde, provavelmente se terá iniciado muito tempo antes de ter começado em França. A Revolução e o posterior modelo napoleónico limitaram-se a conferir-lhe modernidade e a agravar procedimentos, tornando-os mais complexos e eficazes. O caminho do estatismo é, assim, inversamente proporcional ao de uma sociedade livre e desenvolvida, geradora de oportunidades e de procedimentos autónomos do estado e da burocracia. Em contrapartida, como é fácil de entender, a contenção do estado passa pelo crescimento da sociedade e pela sua capacitação de que deve ser autónoma e suficiente.
No mundo em que vivemos – em que sempre os homens viveram – as coisas não são assim e não se bastam por elas mesmas. O nosso mundo é o da política – foi-o sempre -, e da política nasceu o estado, o governo e as demais instituições representativas que cumprem aquelas funções e outras que vão sendo resultado de necessidades sociais sentidas e da racionalidade do aparelho de poder, ele mesmo gerador de finalidades e objectivos próprios. O problema do estado reside essencialmente no seu crescimento e nas formas de o conter.
Como cresce o estado? E como se pode impedir o seu crescimento para além dos limites naturais que o pacto social liberal concebe? A resposta a estas questões não é linear, mas também não é impossível. Historicamente, nas sociedades europeias é relativamente fácil entender como cresceu o estado: pela ausência da sociedade civil. Frequentemente, do esvaziamento desta, promovido ao longo dos anos por quem detém o poder público. Esta racionalidade de crescimento da soberania não depende de regimes políticos, e atravessa-os mesmo quando neles se verificam rupturas violentas. Foi o que ocorreu em França, na passagem do Ancien Régime para o novo estado saído da Revolução iniciada em 1789. A França, país modelo do estatismo europeu, não enveredou pela centralização e pelo estatismo a partir da Revolução, como habitualmente se acredita. Essa transição começou muito tempo antes e manteve-se e desenvolveu-se depois. O aparelho administrativo do estado francês só foi, de resto, desmobilizado, apenas na aparência, após a Revolução. O que lhe era essencial manteve-se e aprofundou-se. O estatismo é uma força que não se deixa abater por revoluções.
Alexis de Tocqueville, um conservador-liberal francês preocupado com o estatismo do seu país, descreveu exemplarmente este processo no seu livro O Antigo Regime e a Revolução. Segundo Tocqueville, a centralização inicia-se, pelo menos, na segunda metade do século XVI, com o esvaziamento dos corpos sociais intermédios, da nobreza e dos municípios, em favor de uma burocracia régia, progressivamente centralizada em Paris. A nobreza mantém os seus privilégios – nomeadamente os fiscais -, mas perde progressivamente poder. Ao invés da aristocracia inglesa – a quem se aplicavam, por igual, as mesmas regras fiscais dos outros corpos sociais (os privilégios eram somente concedidos aos mais desfavorecidos) -, a nobreza francesa deixa-se docemente adormecer nessas aparentes vantagens, deixando de ser uma aristocracia, no sentido originário do termo, passando a ser uma casta. Esta estagnação impediu a selecção social das pessoas mais dotadas e a sua ascendência natural nas funções sociais. Os processos sociais normais de ascensão são substituídos pela decisão burocrática. A quase impossibilidade de casamentos entre nobres franceses e pessoas provenientes de outros estratos sociais (que não ocorria, há muito, em Inglaterra) agravou mais ainda essa situação. Por sua vez, as liberdades locais das cidades e municípios são também progressivamente diminuídas em favor da centralização. Para se ter ideia do nível que atingiu a burocracia e o aparelho de estado, basta referir – como faz Tocqueville – que Richelieu, que não era propriamente um liberal, se viu na necessidade de extinguir mais de cem mil ofícios, no seu tempo, em pleno século XVII. Quando surge a Revolução, ela ocorre essencialmente em Paris, e as reacções locais ou não se fazem sentir, ou são facilmente esmagadas pelos representantes da capital.
Dito de outro modo, o modelo estatista francês, que serviu de exemplo para a maioria dos países da Europa Continental, impôs-se progressivamente, ao longo dos anos, por uma estratégia de esvaziamento da sociedade e dos corpos sociais autónomos. Este caminho encontramo-lo em muitos outros países, como por exemplo Portugal, onde, provavelmente se terá iniciado muito tempo antes de ter começado em França. A Revolução e o posterior modelo napoleónico limitaram-se a conferir-lhe modernidade e a agravar procedimentos, tornando-os mais complexos e eficazes. O caminho do estatismo é, assim, inversamente proporcional ao de uma sociedade livre e desenvolvida, geradora de oportunidades e de procedimentos autónomos do estado e da burocracia. Em contrapartida, como é fácil de entender, a contenção do estado passa pelo crescimento da sociedade e pela sua capacitação de que deve ser autónoma e suficiente.
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