12 setembro 2009

um partido cheio de liberais

Não existem partidos liberais. Em toda a história da democracia, em parte nenhuma do mundo existiu um partido cheio de “liberais” saltitantes, a proclamarem o estado mínimo, de olhinhos postos nesse mesmo estado e no orçamento que o sustenta. Imaginar, presumir, acreditar que os liberais se podem organizar em partidos liberais é desconhecer, por inteiro, a natureza de três coisas: do liberalismo, dos partidos e do estado e do poder.

Eu insisto que o liberalismo não é uma filosofia política, no sentido comum da expressão, que é o de um conjunto de ideias sobre a sociedade civil e a sociedade política cujo destino é serem executadas através do poder político e do estado. O liberalismo não é uma filosofia construtivista, e é bom que aqueles que se reclamam liberais não o esqueçam, na eventualidade de entenderem o que isto quer dizer. O liberalismo é, sim, uma filosofia política, mas no sentido inverso daquele: só pode ser utilizada de baixo para cima, isto é, imposta aos governantes pelos governados, e não por estes àqueles (certamente que conhecerão a proclamação de D. Pedro IV, aos constatar, após o desembarque no Mindelo, que a adesão à sua causa não era tão forte como lhe haviam prometido, que terminava com um sintomático “Portugueses não me obriguem a libertar-vos!”). Isto pela razão simples de que o liberalismo é uma filosofia de contenção e ordenação do poder político, em benefício do aumento do poder civil, isto é, da liberdade individual. É um instrumento para a contenção do estado e do seu poder, e não o inverso.

Ora, quem entender um pouco sobre o que é o poder (sugere-se a leitura do Du Pouvoir, de Jouvenel), não ignora que a sua natureza é a expansão. No poder político, naquele que o estado conseguiu monopolizar para utilizar como bem entende e onde bem entende, isso é evidente em qualquer sociedade, mesmo nas sociedades democráticas, onde o estado e os poderes públicos não param de crescer. Os partidos políticos são, como é sabido, instrumentos para a conquista democrática do poder do estado. Têm ideias, sem dúvida, e distinguem-se mesmo por algumas delas. Infelizmente, são cada vez mais iguais, ao ponto de haver quem não consiga discernir com clareza, nos dias que correm, as diferenças entre esquerda e direita. Mas, para além das ideias que possam defender, os partidos políticos têm uma finalidade genética que prevalece sobre tudo o mais: a conquista e o exercício do poder.

É por isso que os liberais desconfiam da política, dos políticos, dos governantes e do estado. Por uma questão de princípio, querê-mo-los com poderes e competências muito reduzidos, isto é, com a menor possibilidade que for possível deles prejudicarem as nossas vidas. Esta posição liberal só colhe em sociedades com autonomia perante o poder público, com instituições civis, com empresas fortes, com economia próspera (no sentido de economia privada, obviamente, o único sentido que ela tem), com imprensa livre e independente dos favores de quem governa. Em suma, o contrário de tudo aquilo que Portugal (não) tem. Uma sociedade assim, facilmente inspirará respeito e sentido de contenção aos políticos. Poderá mesmo promover uma cultura política tendencialmente liberal, que influencie políticos e governantes e os faça ser menos ávidos de soberania quando a têm nas suas mãos.

É por isto que Manuela Ferreira Leite me parece ter algum interesse. Graças a Deus que ela não é líder de um partido liberal! Se o fosse, nunca a apoiaria. Aliás, a graça tentou-se há uns anos, com o Dr. Manuel Monteiro e alguns liberais a tentarem convencer o país que o PND e o seu líder eram liberais, e a coisa deu no que deu, para júbilo do anedotário político nacional, desde logo, pela interpretação muito própria que o Dr. Monteiro fazia do liberalismo... Pelo contrário, a Senhora pareceu sempre vestir as mais pesadas vestes do estatismo e, subitamente, disse tudo ao contrário do que esperaríamos dela. Pareceu dizê-lo com convicção, certa, de facto, de que é ao excessivo peso do estado na sociedade portuguesa que o país está como está, e que, por isso, há que fazer alguma coisa. O que é, assim, legítimo esperar dela na chefia do governo, é que contribua para esvaziar o estatismo asfixiante que os últimos anos de socialismo nos trouxeram. Não propriamente que proclame a República Liberal Portuguesa. E já não seria nada mau. Para o país e para a nossa liberdade.

Sem comentários: