27 setembro 2009

Homem das Cavernas


Ontem, ao longo do dia, passou uma reportagem na RTP acerca do "Homem das Cavernas", a história de um homem do distrito de Braga que nos anos 80 havia sido condenado a oito anos de prisão por homicídio, na sequência de uma disputa de terrenos com um vizinho, e que mais tarde fugiu da cadeia, tendo vivido durante 16 anos em cavernas no Alto Minho. Há cerca de dois meses fui recapturado, encontrando-se agora na prisão de Paços de Ferreira.

Quando a notícia da sua recaptura foi publicada, a história surpreendeu-me, como provavelmente a todos os que a leram. Mas revelava essa extraordinária capacidade de adaptação que caracteriza a raça humana. Entretanto, na reportagem de ontem, levantou-se um pouco o véu acerca dos motivos que terão levado o homem a enveredar pela fuga e pela vida vivida naquelas circunstâncias: o direito à sua autodeterminação sexual, conforme disse o seu advogado de defesa, que agora tentará revogar a pena de prisão.

Este caso é muito interessante e tem todas as condições para se tornar simbólico porque põe em causa o funcionamento do sistema prisional em Portugal. Enfim, eu sou um forte defensor de justiça célere, eficaz e de penas longas - perpétuas até - em função da natureza do crime. E também acredito que certas obras públicas podiam ser realizadas com recurso às populações prisionais para lhes incutir ética de trabalho e contribuír para alguma regeneração pessoal dos presos. Mas não posso aceitar que no interior das prisões reine um clima selvagem, sem rei nem roque. E que os guardas prisionais sejam coniventes com a existência de violações sexuais (e tráfico de drogas) dentro dos estabelecimentos prisionais. A privação da liberdade já é castigo suficiente, por isso, as prisões deviam permitir que os presos mantivessem a sua própria dignidade, sem a qual não existe reabilitação possível.

Portanto, eu desejo ao advogado do "Homem das Cavernas" algum sucesso na sua iniciativa. E espero que os alvos dessa iniciativa sejam o Ministério que tutela as prisões em Portugal e o director do estabelecimento prisional onde os supostos abusos tiveram lugar. Bem sei que é tudo muito difícil de provar, mas como disse no início trata-se de um protesto simbólico. Serve para chamar a atenção para um problema gravíssimo do sistema prisional - as violações sexuais -, que toda a gente comenta, mas que ninguém assume. E que contribui para que as prisões acabem por se tornar escolas do crime em vez de locais de reabilitação e regeneração dos presos.

Sem comentários: