Ontem à noite - finalmente! - terminei a leitura do magnífico livro de Vítor Bento, "Perceber a crise para encontrar o caminho". O livro tem duas secções: uma retrospectiva, de análise à situação macroeconómica portuguesa, e outra prospectiva. Ao contrário do que é habitual, comecei a partir do fim, lendo primeiro a parte prospectiva - coisa que fiz em duas noites. Depois, passei à análise retrospectiva que cobre a economia portuguesa, em crescendo, desde o século XIV aos dias de hoje, com especial destaque para os últimos 15 anos. Esta última secção demorou-me um pouco mais, em face da necessidade de compreender a sua densidade estatística (muitos quadros, tabelas e gráficos) - coisa que não combina bem com a família numerosa que tenho na Madeira!
Mas, uma vez concluída a leitura do livro, retive duas ideias cruciais: 1) a reduzida eficiência marginal do capital em Portugal e 2) a natureza obscura das nossas contas públicas.
Quanto ao primeiro tópico, na Europa dos 27, Portugal é o último classificado nesta matéria (a par da Itália), devido à estratégia de investimento em sectores de bens e serviços não transaccionáveis e também em face dos celébres "custos de contexto". Assim, entre 1999 e 2008, do investimento realizado num dado ano, em média apenas 6% do crescimento do PIB no ano seguinte lhe esteve associado, comparado com a Espanha onde o mesmo indicador revelou uma leitura superior a 25%! O problema é ainda agravado pelo facto de Portugal ser dos países que, no mesmo período, mais investiu em relação ao seu próprio PIB. Ou seja, investimos muito, mas muito mal! O resultado é a redução estrutural do nosso PIB potencial, acompanhado do mais elevado endividamento externo de que há memória (superior até, em termos relativos, aos registados em 1977 e 1982, datas dos acordos com o FMI).
Quanto ao segundo aspecto, Vítor Bento alerta e bem para o descontrolo das finanças públicas. Não apenas no que diz respeito aos défices crónicos, mas também em relação à contabilidade criativa patrocinada pelo Estado no sentido de ocultar o verdadeiro buraco das contas portuguesas. Portugal tem hoje uma dívida externa superior a 200% do PIB! Desta dívida "mais de metade (55%) é passivo bancário e mais de 1/3 do total é dívida de curto prazo" (pág. 82). Ou seja, deduz-se que cerca de 45% da dívida externa é do Estado, o que corresponde a 90% do PIB. Contudo, como é sabido, a dívida pública portuguesa não ultrapassa hoje os 70% do PIB, por isso, ficamos também a saber que faltam 20% da dívida (avaliados em termos do PIB). E onde é que se encontra essa dívida oculta? No Estado! Nomeadamente, nas mais diversas práticas de desorçamentação (endividamento das empresas públicas, parcerias Público Privadas, sociedades de desenvolvimento, entre muitas outras) que, associadas a directivas jurídicas demasiado formais e pouco substantivas, sub avaliam o real endividamento do Estado, dado que, economicamente, os seus encargos representam o mesmo que a emissão de dívida pública, constituindo, por isso, direitos de saque sobre impostos futuros.
Em suma, uma excelente análise e a constatação de que "we are in deep shit"! Quanto às soluções, a resposta é simples: o problema é macroeconómico, somos pouco produtivos e, especialmente, pouco competitivos, logo, é por aí que temos de actuar - e mais não digo. Comprem o livro e leiam-no.
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