19 julho 2009

Da Madeira


Depois de duas semanas na Madeira e no Porto Santo, regressarei hoje ao Contenente. Há dias, neste blogue, falou-se muito acerca da Madeira, dos vícios e das virtudes de Alberto João Jardim. Na minha opinião, há que distinguir entre duas coisas: o passado recente e o futuro que se avizinha.

Em relação ao passado, para quem conhece a Madeira, é indiscutível que a ilha evoluiu de forma extraordinária - é certo que à custa de uma política de betão, mas inserida numa estratégia de promoção do Turismo. Quem hoje visita a Madeira, atravessa a ilha de uma ponta à outra em três tempos - graças às dezenas de túneis rodoviários que foram abertos nos últimos anos. Ao mesmo tempo, as antigas estradas nacionais continuam circuláveis, em particular as pequenas vias que percorrem o perímetro da ilha junto ao mar e que tornam os passeios imensamente mais piturescos. Quanto aos hóteis, não falta oferta. Bons restaurantes também há aos magotes. E, depois, há inúmeras coisas para fazer. Há levadas, há parques temáticos, há grutas, há quintas, há teleféricos, há desportos radicais, há desportos naúticos, há praia, há pisicinas naturais...há espetada e há poncha! Ou seja, na governação de Alberto João, apesar de todos os vícios e supostas falcatruas, no balanço, registou-se uma clara melhoria na qualidade de vida dos madeirenses e nos atractivos que a Madeira hoje oferece a quem a visita. Essa melhoria está reflectida nos indicadores macroeconómicos, nomeadamente no PIB per capita da Madeira - cerca de 95% do PIB per capita da zona euro (a 15) - e que, em Portugal, apenas é superada pela região de Lisboa. Julgo até, passe o exagero, que a evolução económica registada na Madeira apresenta algumas semelhanças com Singapura, que nas últimas décadas também cresceu exponencialmente - ao abrigo de uma realidade política, em muitos aspectos, parecida com a da Madeira!

Contudo, o problema dos madeirenses é o futuro. E aí, apesar de todos os avanços dos últimos anos, não estou nada optimista. Por duas razões: a) porque as fontes de financiamento estão a esgotar-se e; 2) porque me parece que, na Madeira, apesar dos muitos atractivos, há uma tremenda pobreza de espírito.

Quanto ao financiamento, o avanço infraestrutural das últimas décadas foi conseguido através de fundos comunitários - ao contrário do Continente, aqui muito bem aproveitados -, mas para os quais a Madeira já não qualificará nos próximos anos. É certo que a presença do "offshore" contribui em cerca de 20% para o PIB da região, não beneficiando directamente a sua população, mas as regras são regras e a verdade é que o "offshore" faz parte da Madeira. Mesmo que o "offshore" fosse excluído das contas da região - algo que está a ser discutido pelos políticos locais - o PIB per capita da Madeira, em função do PIB per capita da zona euro (a 15), manter-se-ia ligeiramente superior à média nacional desqualificando a região como principal receptora de subsídios europeus. Ou seja, de futuro já não se poderá esperar de Bruxelas a mesma generosidade do passado recente. Quanto ao Governo Regional, está superendividado. Esta realidade foi tentativamente ultrapassada com as Sociedades de Desenvolvimento que, por questões formais, não são consideradas entidades da Administração Pública local, mas que, na prática, ao serem detidas apenas pelo Governo Regional, se constituem como tal. Infelizmente, também estas se endividaram até ao limite e estão hoje, em geral, tecnicamente falidas. Em suma, não há cheta, por isso, não me admiraria nada se o Alberto João, subitamente, abandonasse a política na Madeira. É que, politicamente, é a altura certa para o fazer!

A par da ausência de recursos, o outro aspecto que me leva a estar pessimista em relação à Madeira é a pobreza de espírito que, em geral, por aqui vejo. Com excepção do Funchal, cosmopolita e internacional, a visão que se me oferece, acerca das gentes, é mais próxima daquilo que se encontra nas pequenas aldeias do interior do país do que daquilo que seria de esperar numa região com a qualidade infraestrutural exibida na Madeira. Refiro-me, em concreto, aos aglomerados de gente - os homens à porta do café da esquina é talvez o melhor retracto dessa triste realidade - e ao alheamento que a maioria revela acerca do que se passa no mundo - para além da Ilha. Por exemplo, experimentem conversar com aquelas pessoas acerca da actualidade mundial e observarão que, em dois segundos, a conversa morre ali. Pelo contrário, se perguntarem pelo Zé que casou com a Maria, que se mudou de Câmara de Lobos para a Ribeira Brava e que teve 10 filhos que, por sua vez, fizeram isto ou aquilo....terão conversa para um dia inteiro. Enfim, é isto que mais me aborrece quando cá venho. Os mais letrados dizem que é o reflexo dos 30 anos de Alberto João e da cultura de subserviência que lhe está associada. Talvez seja, embora esse gosto pela pequena trica doméstica também se vislumbre em muitas localidades no interior do Continente. O problema, e a diferença, é que na Madeira, com as infraestruturas que existem e com o nível médio de riqueza material que encontramos, seria de esperar um pouco mais das pessoas. E essa é que é a maior ameaça ao futuro da Ilha.

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