12 junho 2009

Logos


Os discursos oficiais do 10 de Junho foram verdadeiras homilias e reflectem bem a tradição de Portugal - um país de pregadores. Discursos racionais teriam elencado os problemas da sociedade portuguesa, estabelecido a ordem da sua resolução, e depois teriam proposto soluções para os resolver. Tal como foram pronunciados ficaram-se por apelos e exortações morais - à verdade, ao empreendedorismo, à transparência, à responsabilidade. Se tivessem sido pronunciados por padres não teriam sido muito diferentes.
.
Existe, no entanto, um elemento nos discursos recentes de dirigentes políticos, especialmente ligados ao PSD, que merece consideração pela força da sua recorrencia - o apelo à verdade. Anteontem, foi um dos temas dominantes do discurso do Presidente, e é um slogan da campanha eleitoral do PSD. Qual é o significado deste apelo crescente à verdade por parte de um partido que é neste momento maioritário na sociedade portuguesa e pode vir a ser governo dentro de meses?
.
A verdade, como argumentei em outra altura, é a ideia central da cultura católica, por oposição à justiça (equidade) que é a ideia central da cultura protestante. Não surpreende portanto que um país profundamente católico como Portugal apele à ideia central da sua cultura num momento de grandes dificuldades e o faça por intermédio daquele partido que, na minha opinião, é o mais representativo do povo português - o PSD.
.
A questão que logo se põe é, obviamente, a questão de Pilatos: Que é a verdade?. Nietzsche considerava esta a única questão relevante do Novo Testamento, e a resposta que lhe deu foi: "Não existe". Na tradição católica, a verdade existe e é o Logos - a verdade em pessoa (*). Os apelos à verdade que se vão ouvindo na sociedade portuguesa podem, assim, ser interpretados como apelos a encontrar a pessoa ou pessoas certas que restaurem o país e lhe resolvam as dificuldades. É claro que a verdade vem sempre acompanhada de intolerância e autoridade.
.
(*) Cardeal Ratzinger/Bento XVI, Verdade, Valores, Poder: Pedras de Toque da Sociedade Pluralista, Braga: Editorial Franciscana, 2006, p. 53.

Sem comentários: