30 junho 2009

recostado no Estado


O Protestantismo, nas suas diferentes variantes, representou um movimento de concorrência ao monopólio da Igreja, na sua dupla função de autoridade docente e exclusiva do Cristianismo, e de agência sacramental. O sucesso do movimento foi considerável, rapidamente conquistando o mercado à Igreja de uma forma praticamente absoluta nos países do norte da Europa, em mais de metade da Alemanha, nas Ilhas Britânicas, com excepção da Irlanda, e em boa parte da França.

O Protestantismo contestou que a Igreja tivesse o monopólio da interpretação das Palavras de Cristo, insistindo que a única fonte da Revelação são as Escrituras (Sola Escritura), enquanto a Igreja Católica insistia em afirmar que a fonte da Revelação, para além das Escrituras, inclui também a doutrina elaborada pela Igreja ao longo dos séculos (tradição). O protestantismo também contestou os sacramentos, defendendo que os pecados não podem ser perdoados pelos homens (clero), mas só pela graça de Deus. Quem julga a vida humana? "Só Deus!", respondem os protestantes; "Nós!", responde o clero católico.

Nesta última diferença está o carácter transcendente que a justiça possui nos países protestantes e que confere aos seus sistemas de justiça uma qualidade extraordinária, em comparação com o carácter humano, banal e terreno que a justiça possui nos países católicos, como Portugal, e que explicam a sua conhecida ineficácia e frequente injustiça.

A conquista do mercado pelo Protestantismo que desceu do norte da Europa para o sul, só foi travada em Espanha, com Portugal na sua rectaguarda. A Península Ibérica representa a única região da Europa Ocidental onde o protestantismo nunca entrou, e que serviu de base à Igreja para reorganizar as suas forças e iniciar a reacção de defesa (Contra-Reforma).

Como é que a Igreja conseguiu proteger o seu mercado em Portugal e Espanha? Associando-se ao Estado, que promulgou leis que lhe garantiram a reserva do mercado. A expulsão dos judeus ordenada pelos Reis Católicos e o estabelecimento da famosa Inquisição Ibérica (Spanish Inquisition) constituiram as peças essenciais do aparato legal que conferiu à Igreja o monopólio das consciências em Espanha e Portugal: Aqui só se vende um produto - o catolicismo - e quem ousar vender outro é um criminosos (herege) que deve ser preso e lançado à fogueira.

Os grande negócio que, para ser seguro, deve ser feito recostado no poder coercivo do Estado, a tendência para o proteccionismo e para a promiscuidade entre interesses privados e interesses públicos que é típica dos países de cultura católica, encontra aqui a sua expressão.

O impacto destas medidas proteccionistas sobre a mente do homem ibérico e a sua cultura foi extraordinário, e permanece até hoje. Fechou-lhe a mente e o espírito, instituindo uma só verdade e uma só visão da vida e do mundo - e uma visão que é proibido contestar. Quem o fizer não é uma boa pessoa, na realidade só pode ser um louco ou um criminoso. A Igreja Católica, que reclamava ser a única interprete de Cristo, o maior herege de todos os tempos e o Homem que foi condenado por blasfémia, passou, ela própria, a perseguir os hereges.

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