As inquirições relativas ao processo "BPN" têm sido particularmente duras para com as entidades de supervisão, em geral, e para com o Banco de Portugal, em particular. Na minha opinião, no balanço, a existência de uma Comissão de Inquérito especificamente criada para a avaliação do BPN é benéfica. Serve para expor algumas lacunas existentes na relação entre supervisores e supervisionados, permitindo melhorar algumas práticas regulatórias em benefício final dos consumidores de produtos e serviços financeiros.
Contudo, nesta história do BPN há dois aspectos que têm de ser salvaguardados. Primeiro, nunca esquecer que a verdadeira origem dos actos fraudulentos esteve na acção directa dos gestores do BPN - e não dos técnicos do Banco de Portugal. Segundo, decorrente do primeiro, devemos tratar as pessoas e as instituições de acordo com aquela relação de causalidade. Ora, neste aspecto, o Governador Vítor Constâncio tem razão quando ontem se queixava de que "Alguns dos autores e cúmplices do caso BPN foram aqui tratados com mais deferência e bonomia do que os cinco membros do Banco de Portugal" (citação Jornal de Negócios). De facto, não se entende, excepto por motivos de agenda partidária, que, por um lado, Oliveira e Costa (o único arguido) tenha ido à Assembleia da República testemunhar num clima de quase amena cavaqueira - num registo manifestamente cínico da testemunha e dos deputados - e que, por outro lado, Vítor Constâncio seja hostilizado da forma que tem sido habitual nos últimos meses.
O lugar de Governador do Banco de Portugal é um posto que, em meu entender, deve ser tratado através de um pacto de Regime entre as principais forças partidárias. E deve manter-se inalterado sem contestação até ao final do mandato, excepto em situação de renúncia do próprio Governador ou em situação que envolva directa e proactivamente o mesmo na prática de actos ilícitos. Ora, o que aconteceu no caso BPN não qualificou como ilícito praticado pelo Governador, por isso, na ausência de outros motivos que motivem a sua renúncia ao cargo, Vítor Constâncio faz muito bem em permanecer até ao final do seu mandato. Está a zelar pela estabilidade do Banco de Portugal que, pela sua natureza, é uma instituição que não pode, nem deve, mudar a sua estrutura de um dia para o outro.
De resto, basta olhar para o que, nas últimas duas décadas, aconteceu nos Estados Unidos e concluiremos rapidamente acerca da condução errada que cá se está a fazer da análise ao caso BPN. É que nos EUA, a supervisão falhou de forma catastrófica, extraordinariamente pior que em Portugal. Falhou na regulação da bomba relógio associada aos derivados de crédito (durante quase 20 anos). Falhou na detecção de Madoff (durante mais de 20 anos), como antes tinha falhado na detecção da Enron, da Worldcom e de outras fraudes em cotadas de grande nomeada. E falhou noutros aspectos, nomeadamente na detecção de intermediários financeiros não autorizados em território norte-americano operando actividades ilícitas, como foi o caso da UBS. E o que é que aconteceu? Foram criadas comissões de inquérito para todos estes casos. As zonas cinzentas da lei foram corrigidas e os verdadeiros responsáveis, como Oliveira e Costa, foram inapelavelmente interrogados e crucificados na praça pública. Os derivados de crédito, mais dias menos dia, passarão a transaccionar em mercados cotados. Madoff foi engavetado para sempre, como foram anteriormente os responsáveis pela Enron e pela Worldcom. E a UBS está em risco de não sobreviver ao ataque do fisco norte-americano. Quanto ao senhor Bernanke, também teve de ouvir uns ralhetes, mas saiu por cima porque os congressistas e senadores assim o quiseram. E ainda bem, porque é assim que deve ser. É que, no final, quem saiu reforçado foi o próprio banco central norte-americano.
Os verdadeiros culpados são os operacionais e os executivos que, diariamente, trabalharam no sentido de ludibriar tudo e todos - esses é que têm de ser hostilizados, acossados e acusados. Seria bom que os senhores deputados da Assembleia da República não se esquecessem disso.
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