A propósito do 1º de Maio e de um post publicado hoje pelo Joaquim sobre a falta de trabalhadores portugueses em terras alentejanas, prontamente substituídos por imigrantes estrangeiros, gostava de destacar dois aspectos.
Primeiro, os sistemas de incentivos que, em Portugal, conduzem à situação de desemprego são substanciais. Começam na Lei do Trabalho, que genericamente assume que qualquer rescisão por justa causa, movida pelo trabalhador contra o patrão ou vice versa, configura como situação de desemprego involuntário. No primeiro caso, porque se presume que o patrão violou as regras do contrato laboral "obrigando" o trabalhador a pedir a rescisão por justa causa. E no segundo caso, porque se presume que, mais uma vez, foi o patrão a violar os direitos do trabalhador, despedindo-o com justa causa quando na realidade esta não existiu, motivando a necessidade de recurso aos tribunais para infirmar a condição de desempregado involuntário! Por fim, a duração do subsídio de desemprego que, para uma pessoa entre os 30 e os 40 anos de idade, pode ir até 540 dias, beneficiando o desempregado de um subsídio equivalente a 65% da sua remuneração original até um máximo de 3 salários mínimos. Claro que não se pode meter toda a gente no mesmo saco. É evidente que existem situações de despedimento fraudulentas. E também é evidente que para muitos desempregados não existe outra alternativa que não o desemprego. Contudo, no balanço, creio que existe demasiada protecção legal aos trabalhadores e demasiada condescendência do Estado perante os desempregados.
Segundo, e mais importante, uma consideração de cariz cultural e que, de certo modo, tem sido aflorada pelo PA em posts recentes acerca do peso que a influência "Cath vs Prot" pode ter no desenvolvimento e na prosperidade económica de cada país. Neste sentido, gostaria de destacar uma passagem do magnífico livro do Sr. Prof. José Manuel Moreira, "Leis, Imparciais e Liberais", em que o autor afirma o seguinte:
"Num país em que servir os outros nunca foi uma paixão, um trabalho precário pode sempre funcionar como estágio (...) Costumo contar aos meus alunos a história de um pai que, nos EUA, sabendo que a filha tinha optado por trabalhar nas férias num restaurante lá da terra, se encheu de orgulho. A ponto de querer que os amigos fossem presenciar o trabalho da filha. Por contraste, um pai português - e não precisará de ser muito rico - veria com maus olhos que a filha, estudante universitária, levasse por diante esse propósito. E - se não a conseguisse dissuadir - certamente evitaria falar disso aos amigos e mais ainda ir lá, para não ter que ver a filha a servir os outros.
Estas duas posições reflectem duas culturas. Uma, mais judaica, para quem o trabalho é algo digno: não existe condenação nem menosprezo por nenhuma forma de actividade produtiva. O trabalho é visto como um honroso dever. Outra, mais ligada à tradição grega, que tende a olhar para a produção de bens com duplo desprezo. Pelo prestígio de que gozava a guerra, como um modo de enriquecimento, e pelo descrédito que recaía sobre o trabalhador livre por se dedicar a ocupações análogos à dos escravos. O comércio não escapava a este anátema. Para os gregos, mesmo o pequeno comércio era infame. Se um cidadão o praticasse encontrar-se-ia na necessidade de ter de prestar serviços a um escravo, a um inquilino, a um estrangeiro, coisa que repugnava por completo ao espírito grego de liberdade. Por isso, Platão nas Leis pretende que se castigue o cidadão que comercie.
É bom de ver que o essencial da diferença de atitude em relação ao trabalho entre povos "latinos" e do "Norte" (da Europa) se deve mais ao peso da cultura grega do que ao "catolicismo". O desprezo aristocrata pelo trabalho e a oposição entre ócios e negócios, não só são anteriores, como contrastam com a visão cristã do trabalho como continuação da obra de Deus."
De resto, é curioso observar que tendo o 1º de Maio a sua origem nos Estados Unidos (Chicago, 1886), a sua celebração em terras norte-americanas quase não exista nesta data (na realidade, o Labor Day ocorre na primeira segunda feira de Setembro), ao contrário do que sucede na Europa, em particular nos países de maior influência francófona, onde a data original se mantém. Duas culturas? Provavelmente. Por exemplo, eu próprio, há dez anos quando estive a estudar na América, trabalhei em part time no Taco John (concorrente do Taco Bell), por livre e espontânea vontade e sem necessidade financeira de o fazer. Foi uma excelente experiência e foi uma forma de amealhar algum, suficiente para dar de entrada ao meu primeiro carro: um Renault 5 em terceira mão! E não me recordo de ninguém no meu círculo de amizades que, em terras lusitanas e nas mesmas circunstâncias, tenha feito algo de semelhante.
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