04 abril 2009

guerras religiosas



Tenho defendido em vários posts que a chamada democracia-liberal com as suas instituições da democracia política, liberdade de expressão, mercado livre, limitação dos poderes do Estado, divisão de poderes, soberania da lei, etc., é um regime típico dos países predominantemente protestantes. Este regime nunca ganhou raizes nos países de tradição católica como Portugal onde, na minha opinião, estamos presentemente a assistir ao seu mais recente falhanço.

É altura de ser mais preciso acerca daquela asserção. A democracia-liberal é o regime típico dos países que sofreram as guerras religiosas dos séculos XVI e XVII, como a Alemanha, a Inglaterra e a França e dos seus descendentes na América do Norte (EUA, Canadá) e em outras partes do mundo (v.g., Austrália, Nova Zelândia). Este regime é totalmente alheio aos países que ficaram isentos dessas guerras, Portugal e Espanha em primeiro lugar, com os seus respectivos descendentes na América Latina.

Pode dizer-se que a Inquisição foi o preço - um preço muito baixo, é preciso sublinhar - que os países católicos tiveram de pagar para evitar os horrores das guerras religiosas que, pela mesma altura, devastaram a Europa central e do norte com as suas perseguições ferozes e as suas centenas de milhar de mortos. As instituições da democracia liberal são instituições de equidade ou de justiça que permitiram pôr termo aos conflitos religiosos e tornaram possível a vivência em comum a grupos religiosos que se odiavam mutuamente. Quem não viveu as guerras religiosas, como Portugal e Espanha, não tem nenhuma tradição de democracia-liberal.

Cerca de 1870 Alexandre Herculano dizia que o único democrata que conhecia no país era ele próprio. Passados cerca de 140 anos, eu conheço apenas meia dúzia de democratas em Portugal, se tanto. O progresso não foi grande. E no entanto é difícil encontrar um português que não se reclame um democrata. E isto é assim porque os portugueses tipicamente gostam de ir procurar a verdade ao estrangeiro e a democracia é uma daquelas verdades estrangeiras que vem a calhar.

Não apenas os portugueses (ou, para o efeito, os espanhois, os brasileiros ou os mexicanos) nunca deram uma única contribuição às ideias e às instituições da democracia-liberal, como conseguem prostituir todas as ideias e instituições que importam das democracias-liberais estrangeiras. Não apenas isso. Sendo radicalmente incapazes de produzir ideias, todas as ideias que circulam na opinião pública, como a liberalização do aborto, o casamento gay, a eutanásia, a facilitação do divórcio, o feminismo, etc. são ideias invariavelmente importadas das democracias liberais genuinas, como a Inglaterra, os EUA ou a Alemanha, e ideias que às vezes são já defuntas nesses países.

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