Afirmei no post anterior que não apenas os portugueses nunca deram uma só contribuição às ideias e às instituições dos regimes chamados de democracia-liberal, mas quando adoptam essas ideias e imitam essas instituições acabam inevitavelmente a prostitui-las.
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A justiça é o caso mais exemplar. Num post anterior, o Joaquim perguntava se os juristas portugueses não sabem fazer justiça. A julgar pelo espectáculo que a justiça portuguesa oferece diariamente nos jornais e na TV, a resposta é a de que não sabem. Certamente que não sabem fazer a justiça que ambicionam imitar - a dos países de democracia-liberal.
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Nos últimos trinta anos importaram-se em Portugal as doutrinas jurídicas prevalecentes nesses países, copiaram-se as suas leis e imitaram-se as suas instituições judiciais. Porém, na altura de fazer justiça, na mente dos juristas, como na da generalidade dos portugueses, permanece a concepção de justiça que é própria da sua cultura de país catóilico, e não a concepção de justiça que é própria dos países protestantes e da democracia-liberal.
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Na concepção católica, a justiça é a virtude que consiste em dar o seu a seu dono, em dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Pelo contrário, na concepção protestante ou das democracias-liberais, justiça é equidade (fairness), e a ideia de equidade envolve um significado muito mais amplo do que simplesmente dar o seu a seu dono, sendo melhor traduzida pela regra de ouro "Não faças aos outros aquilo que não gostas que te façam a ti". Trata-se nesta concepção de pôr de pé instituições sociais que tratem todos de forma igual, isto é, que sejam imparciais. É neste sentido que John Rawls escreveu que a justiça é a primeira virtude das instituições sociais.
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Onde a justiça portuguesa falha não é no caso de larápio que foi apanhado a roubar o supermercado e deve ser posto na prisão, embora também aí ela tenha vindo a denotar cada vez mais dificuldades. Onde a justiça portuguesa falha é quando precisa de exibir a característica suprema da justiça - a imparcialidade - e não a consegue exibir, porque é parcial.
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Aquilo que é imediatamente evidente nos agentes da justiça que vêm a público nos processos mais mediáticos é a sua parcialidade, a sua ligação a algum partido político, a algum interesse corporativo ou a alguma causa, ou meramente o seu preconceito. Quando assim acontece não é possível mais fazer justiça e o sistema de justiça torna-se um sistema de perseguição a adversários políticos, de interesses corporativos ou de alguma causa.
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A cultura católica é uma cultura muito personalizada e, por isso, também muito parcial. Não está nessa cultura o sentimento de imparcialidade com a intensidade que está nos povos tocados pela cultura protestante. Por isso, quando em Portugal se procura imitar o sistema de justiça desses países falha-se rotundamente. Falta a imparcialidade. Falta a imparcialidade aos juristas, aos juizes, aos magistrados do MP, aos advogados, falta a imparcialidade ao povo português inteiro. A coisa não pode senão sair mal. Como está agora à vista de todos.
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