Eu tenho muita consideração pelo que escreve o Corcunda. Apesar de reiteradamente não estar de acordo com ele, reconheço-lhe a qualidade da fundamentação e a coerência do pensamento. O Corcunda é o melhor, talvez mesmo até o único católico tradicionalista português a escrever decentemente na blogosfera. Por isso, confesso o meu espanto por o ter visto utilizar o argumento da modernidade - que para um tradicionalista nunca é argumento - para refutar o que escrevi n’ O Insurgente, sobre um hipotético constitucionalismo liberal. Dizer que uma ideia não serve por não estarmos no século XIX, não me parece muito adequado a quem defende a via da tradição. Mas não é este o ponto essencial, julgo, da nossa discórdia de hoje.
Ele é, no caso concreto, a questão da secessão. O Corcunda vê-a como uma negação do rule of law que os liberais tanto costumam prezar, e como uma via directa para o socialismo. Não é nem uma coisa nem a outra, mas apenas um corolário lógico da natureza contratual da comunidade política e provavelmente um dos mais eficazes mecanismos constitucionais para assegurar a sua unidade e coesão. Desde logo, porque não existem contratos eternos e a possibilidade da sua rescisão, mesmo em política, não deve ser nunca desconsiderada. Mas também porque só se mantém unido quem quer e não quem é obrigado. De um caso e de outro é testemunha a História do nosso tempo. Em inúmeros estados, muitos deles traçados a régua e esquadro pelos vencedores de 1918, outros absorvidos pelo imperialismo soviético, ter-se-iam poupado inúmeras e infindáveis tragédias se o exercício da secessão tivesse sido admitido. Basta pensarmos no que sucedeu, às nossas portas, na extinta Jugoslávia. Em contrapartida, nos países onde esse direito pode ser exercido, ele acabou por ser um factor de estabilização e pacificação. Veja-se o caso da relação do Quebec com o Canadá, e avalie-se a importância dos plebiscitos de 1981 e 1994 para atenuar os sentimentos nacionalistas e independentistas de parte da sua população.
A secessão é, pois, uma técnica constitucional de vinculação política de uma comunidade a uma forma de organização política. É provavelmente a melhor maneira de promover a integração política de comunidades dentro de um mesmo estado. Nada tem que ver com a reinvenção construtivista das normas e dos valores sociais vigentes. Trata-se, apenas, de um modo de declaração da vontade contratual política de uma comunidade, que certamente deve ser exercido com parcimónia, com regras de verificação exigentes e até reiteradas durante um período generoso de tempo. Mas que lhe não deve ser negada.
Infelizmente, a direita chega habitualmente muito tarde a este género de evidências. Se as tivesse percebido um pouco mais cedo teria, quem sabe, podido evitar as tragédias que ocorreram no Ultramar português. Quando começou a perceber as virtudes da autonomia, do federalismo e até mesmo do confederalismo como factores de unidade nacional, já lá tinha ido o 25 de Abril. O Movimento Federalista Português piou tarde e a más horas. Apesar do seu fundador, Fernando Pacheco de Amorim, com quem tive o grato prazer de conviver e de ser amigo, propor uma via federal para o Ultramar muito antes do 25 de Abril, ninguém na direita lhe ligava nenhuma nessa época. Ligaram depois, mas já não havia nada a fazer.
P.S.: O patusco do Manuel Azinhal, que eu conheço há muitos, muitos anos, volta e meia mete-se comigo. Desta vez, nos comentários ao post do Corcunda, resolveu utilizar um nome pelo qual não costumo ser conhecido. Achei bem e até alguma graça. Não nos devemos envergonhar dos nomes que os nossos pais nos deram. Um dia destes faço-lhe o mesmo.
Ele é, no caso concreto, a questão da secessão. O Corcunda vê-a como uma negação do rule of law que os liberais tanto costumam prezar, e como uma via directa para o socialismo. Não é nem uma coisa nem a outra, mas apenas um corolário lógico da natureza contratual da comunidade política e provavelmente um dos mais eficazes mecanismos constitucionais para assegurar a sua unidade e coesão. Desde logo, porque não existem contratos eternos e a possibilidade da sua rescisão, mesmo em política, não deve ser nunca desconsiderada. Mas também porque só se mantém unido quem quer e não quem é obrigado. De um caso e de outro é testemunha a História do nosso tempo. Em inúmeros estados, muitos deles traçados a régua e esquadro pelos vencedores de 1918, outros absorvidos pelo imperialismo soviético, ter-se-iam poupado inúmeras e infindáveis tragédias se o exercício da secessão tivesse sido admitido. Basta pensarmos no que sucedeu, às nossas portas, na extinta Jugoslávia. Em contrapartida, nos países onde esse direito pode ser exercido, ele acabou por ser um factor de estabilização e pacificação. Veja-se o caso da relação do Quebec com o Canadá, e avalie-se a importância dos plebiscitos de 1981 e 1994 para atenuar os sentimentos nacionalistas e independentistas de parte da sua população.
A secessão é, pois, uma técnica constitucional de vinculação política de uma comunidade a uma forma de organização política. É provavelmente a melhor maneira de promover a integração política de comunidades dentro de um mesmo estado. Nada tem que ver com a reinvenção construtivista das normas e dos valores sociais vigentes. Trata-se, apenas, de um modo de declaração da vontade contratual política de uma comunidade, que certamente deve ser exercido com parcimónia, com regras de verificação exigentes e até reiteradas durante um período generoso de tempo. Mas que lhe não deve ser negada.
Infelizmente, a direita chega habitualmente muito tarde a este género de evidências. Se as tivesse percebido um pouco mais cedo teria, quem sabe, podido evitar as tragédias que ocorreram no Ultramar português. Quando começou a perceber as virtudes da autonomia, do federalismo e até mesmo do confederalismo como factores de unidade nacional, já lá tinha ido o 25 de Abril. O Movimento Federalista Português piou tarde e a más horas. Apesar do seu fundador, Fernando Pacheco de Amorim, com quem tive o grato prazer de conviver e de ser amigo, propor uma via federal para o Ultramar muito antes do 25 de Abril, ninguém na direita lhe ligava nenhuma nessa época. Ligaram depois, mas já não havia nada a fazer.
P.S.: O patusco do Manuel Azinhal, que eu conheço há muitos, muitos anos, volta e meia mete-se comigo. Desta vez, nos comentários ao post do Corcunda, resolveu utilizar um nome pelo qual não costumo ser conhecido. Achei bem e até alguma graça. Não nos devemos envergonhar dos nomes que os nossos pais nos deram. Um dia destes faço-lhe o mesmo.
Sem comentários:
Enviar um comentário