27 fevereiro 2009

somos nós


Numa sociedade de tradição católica pura a elite é constituída pelos professores. São eles que educam o povo, especialmente naquela qualidade que o povo não tem - capacidade de julgamento. São eles também que fazem a selecção social, deixando passar aqueles que têm condições para exercer os mais altos cargos na sociedade, e retendo na base aqueles que não têm. Num país de tradição católica pura, a selecção social é feita através do sistema de educação.

O que aconteceria nesta sociedade se, por alguma razão - como, por exemplo, a introdução da democracia - o povo decidisse avaliar os professores?. O mínimo que se pode esperar é que os professores decidam travar a batalha da sua vida, porque colocar o povo a avaliar os professores equivale a inverter a ordem natural da sociedade. Nesta sociedade são os professores que avaliam o povo, não o povo que avalia os professores. Não apenas os professores não reconhecem ao povo capacidade para os avaliar, como o povo não é capaz de avaliar ninguém. Não é de mais relembrar que o povo da sociedade católica possui uma incapacidade radical de julgamento.

Numa sociedade de tradição católica, o triunfo de uma política de avaliação dos professores seria um dos mais eloquentes sinais de que a cultura da sociedade estaria a mudar em direcção a uma cultura diferente. Pelo contrário, o falhanço da política de avaliação dos professores seria um dos sinais mais eloquentes de que a cultura da sociedade permanece distintamente católica.
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Nas sociedades de tradição protestante é que os professores são avaliados, mas aí eles não são a elite da sociedade. A razão é que esta sociedade é destruída através do seu sistema de educação e a não-avaliação dos professores representa um risco para a sociedade. Esta sociedade sobrevive na base da litigância, no confronto livre entre a verdade e a falsidade e exige, portanto, um tipo especial de professor, excluindo outro. Ela exige o professor pluralista, aquele que, a propósito de qualquer tema, admite à discussão e fomenta a discussão entre várias teses alternativas, deixando que a verdade emirja triunfante do confronto com a falsidade; ela exige, por outras palavras, o professor advogado-do-diabo. Aquilo que ela exclui é o professor ensinador ou dogmático do tipo católico, o professor que se aperesenta perante os seus alunos como possuindo a verdade e ensinando-lhes essa verdade única. Este tipo de professor destrói a sociedade protestante. A avaliação dos professores nesta sociedade tem em vista, precisamente, limpar o sistema deste tipo de professores.
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Na tradição católica é diferente. Não há possibilidade de subversão da sociedade através do sistema de educação. Pelo contrário, os professores são a elite da sociedade e, portanto, também a classe mais conservadora da sociedade. Na luta que tem vindo a ser travada recentemente em Portugal sobre a avaliação, tudo indica que a avaliação vai falhar e os professores vão vencer. Por detrás dos muitos slogans que os professores têm apresentado na sua luta, existe um que é definitivo porque é de natureza cultural, e que é o seguinte: "Aqui, quem avalia somos nós!". É pena que nunca o tenham utilizado.

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