24 fevereiro 2009

ideólogos


Em posts anteriores desenvolvi a tese que, num país de tradição católica como Portugal, a classe mais destrutiva é a dos juristas e um país desta cultura entra em ruptura através do seu sistema de justiça. A ruptura manifesta-se pelo clima generalizado de injustiça ou de ausência de justiça, e traduz-se na desordem e na anarquia, em que cada um faz o que quer e permanece na impunidade. A violência pode ocorrer como situação limite, mas não é generalizada.
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E num país protestante, como a Inglaterra, os EUA ou a Alemanha?
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A classe mais destrutiva num país desta cultura é a dos professores. O país entra em ruptura pelo seu sistema de educação. A ruptura manifesta-se na intolerância e na censura a certas manifestações do pensamento, isto é, na abolição da liberdade de expressão, e traduz-se no confronto e na violência física entre grupos diferentes de cidadãos. A sociedade desmorona-se na violência.
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É esta tese que me proponho argumentar neste post. A ideia que une uma sociedade católica é a ideia de verdade e os professores são os guardadores da verdade, daí constituirem a sua elite natural. Pelo contrário, a ideia que une uma sociedade protestante é a ideia de justiça e os juristas são os guardadores da justiça, daí constituirem a sua elite natural. Na sociedade católica a justiça deriva da verdade; o seu lema é "a justiça está na verdade", e é considerado justo tudo aquilo que é verdadeiro. Na sociedade protestante, ao invés, é a verdade que deriva da justiça; o seu lema é "a verdade está na justiça", e é considerado verdadeiro tudo aquilo que é justo. A elite da sociedade católica chega à verdade (e, daí, à justiça) pelo estudo e pela reflexão. A elite da sociedade protestante chega à justiça (e, daí, à verdade) pela litigação (litigation).
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A sociedade protestante necessita, por isso, como pão para a boca, da instituição da liberdade expressão, porque só com ela as partes podem litigar, chegando primeiro à justiça, e depois à verdade. Cortar a liberdade de expressão a uma das partes é condená-la à partida, impedindo que se faça justiça e se chegue à verdade. A parte assim afectada vai-se revoltar, não aceita o verdicto parcial, e passará a fazer justiça por suas próprias mãos, institucionalizando a violência.
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A classe profissional mais intolerante que existe é a dos professores, como já foi defendido aqui. Eles são os guardadores da verdade, competindo-lhes chegar à verdade e transmiti-la aos outros. Eles exibem uma intolerância radical em relação à não-verdade (ou aquilo que eles julgam ser a não-verdade). Está na natureza da sua missão. Por isso, quando a classe dos professores ocupa generalizadamente as posições do poder e de influência numa sociedade protestante, eles tendem a transformar-se em ideólogos, e essa sociedade vai acabar mal. A intolerância vai ganhar raiz, a censura vai ser imposta em relação às manifestações do pensamento consideradas erradas. E a intolerância, impedindo a litigação das ideias, conduz directamente à violência, como notei acima.
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De facto, os primeiros sinais da ruptura social ocorrem no sistema de educação porque esse é o local por excelência de litigação das ideias. O objectivo da educação é a verdade, mas - não é de mais insistir - a sociedade protestante chega à verdade pela litigação, pela apresentação e discussão de posições (teses) diferentes, e frequentemente opostas, sobre a realidade. A intolerância e a censura, calando uma das posições litigantes, impedem que se faça justiça à realidade e que se chegue à verdade. O sistema de educação deixa de cumprir a sua missão. Uma das partes litigantes vai-se levantar em revolta, aquela que a censura impediu de se exprimir livremente.
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Certas formas de intolerância pública e censura pública ao pensamento e à expressão, como o politicamente correcto, não têm efeitos nefastos numa sociedade de cultura católica; pelo contrário, são até necessárias, porque estas são sociedades que tendem para a desordem sem elas. Numa sociedade protestante, se levadas suficientemente longe, são de certeza fatais.

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