O segundo volume das memórias políticas de Diogo Freitas do Amaral (A Transição para a Democracia: 1976-1982) reveste-se de natural interesse, não só por ser da autoria de quem é, mas sobretudo pelo período da nossa história que abrange, do qual o autor foi um protagonista de inegável relevo. O livro está escrito numa linguagem muito simples, por vezes fazendo lembrar um bloco de apontamentos, e devora-se em duas noites.
Já neste blog tive ocasião de manifestar o meu apreço pela figura política de Freitas do Amaral, ao invés do que dele pensava – erradamente – nos anos em que foi líder do CDS. Freitas tem, se comparado com a classe política do nosso tempo, a enorme vantagem de ser uma pessoa respeitável, muito civilizada, culta e educada, predicados cada vez menos comuns no que por aí anda. O tempo revelou que, para além disso, Freitas do Amaral tinha razão no essencial do seu comportamento político: dar à direita portuguesa a oportunidade de ser democrática, europeia e defensora das regras essenciais do livre mercado. Toda a sua acção política até 1982, muito bem relatada ao longo do livro, foi nesse sentido, o que lhe mereceu críticas e incompreensões de muita gente, sobretudo da dita direita portuguesa. A verdade é que ele, com pouco mais de trinta anos de idade, levou essa direita para o governo, muito pouco tempo depois de uma revolução socialista e de várias tentativas golpistas de implantar o comunismo em Portugal. Fê-lo com a Aliança Democrática, em parceria firme com o PSD, que foi uma fórmula política que, se não tem sido a tragédia de Camarate, bem podia ter dado um rumo muito distinto ao que o nosso país conheceu.
O livro não traz grandes novidades nem revelações, e gira em torno de duas personagens: a do próprio autor, como não poderia deixar de ser, e a de Francisco Sá Carneiro.
Em relação a si mesmo, Freitas do Amaral esclarece, provavelmente de modo involuntário, uma antiga dúvida sobre quem, de facto, nesses anos liderava e decidia no CDS, se ele, se Adelino Amaro da Costa. Ao longo de todo o livro, revelando uma amizade profunda por Amaro da Costa, a quem considera um verdadeiro irmão, Freitas do Amaral deixa inequívoco que ele era o seu número dois e não o contrário. Na verdade, a serem fidedignas estas Memórias, e nada leva a crer que o não sejam, pelo contrário, o papel de Adelino Amaro da Costa nas grandes decisões do CDS daquele tempo foi muito mais secundário do que se poderia pensar, se comparado com o de Freitas do Amaral.
Sobre Francisco Sá Carneiro, o tom do livro é de permanente tristeza e mágoa profunda. Na verdade, o livro lê-se como aqueles romances policiais dos quais se conhece, logo no começo, o crime e a vítima, ainda que se não se saiba quem foi o criminoso. A sensação que o perpassa é a da iminente tragédia que todos conhecemos, e que vitimou um homem que, viesse a ser o que viesse na História do nosso país, seguramente não faria dela aquilo que ela veio a ser. A possibilidade revelada de, caso Eanes ganhasse as eleições presidenciais, o que sucedeu, Sá Carneiro e Freitas do Amaral fundarem um novo partido de direita é, de facto, merecedora de reflexão. Esse teria sido o caminho natural para os dois partidos da direita portuguesa, que nunca se reencontraram depois da morte do fundador de um e do afastamento do fundador do outro. Todos teríamos certamente ganho com isso.
O que restou foram duas agremiações anódinas, sem qualquer vestígio programático ou ideológico, que se limitam a aguardar que o poder venha ter com elas de tempos a tempos, quando o eleitorado se maça com o PS. Se o projecto de Francisco Sá Carneiro tivesse prosseguido por diante, a direita portuguesa seria hoje seguramente muito diferente daquilo que julga que é.
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