(*) Escrito por Juliana Silva.
A mais elevada concentração de emissões de gases com efeito de estufa por habitante regista-se nos Emirados Árabes Unidos. Dispondo de 8% das reservas mundiais provadas de petróleo, os habitantes da região adquirem carros e casas muito poluentes e com uma fraca eficiência energética. Paradoxalmente, é desta mesma região que nasce a primeira cidade sustentável do mundo. Masdar é uma cidade que está a ser construída de raiz em Abu Dhabi (maior de todos os sete Emirados Árabes e conhecido como o "Estado do Petróleo"). O projecto foi lançado em 2006 pela empresa britânica Foster and Partners e deverá estar concluído em 2016. Envolve um perímetro urbano de 6 milhões de metros quadrados que albergará 40 mil pessoas e 15 mil empresas. Contempla a criação de um instituto para o desenvolvimento das tecnologias ambientais e a construção de uma eco cidade. Para alguns, o projecto traduz uma visão urbanista e futurista, para outros, uma visão utópica.
A eco-cidade enquadra-se no objectivo “Zero Carbon”, pelo que não utilizará combustíveis fósseis. Toda a cidade será abastecida por fontes de energia renovável. Serão colocadas torres eólicas nos subúrbios da cidade e os edifícios estarão dotados de painéis solares. Está também prevista a criação de uma grande fábrica de hidrogénio. Toda a concepção arquitectónica foi pensada em termos energéticos. O traçado das ruas facilita o movimento contínuo do vento e as avenidas são estreitas e sombrias para que os habitantes se possam deslocar a pé numa cidade fortemente atingida pelo calor do deserto. Só os transportes públicos vão circular nas ruas de Masdar. No máximo, só 2% dos resíduos serão lançados ao ambiente. Os restantes serão reciclados ou eliminados. A água consumida na cidade terá como proveniência a fábrica de dessalinização. Cerca de 80% da água consumida na cidade será reutilizada. Por isso, as necessidades de água vão ficar 60% abaixo do habitual numa cidade normal.
Na cidade de Masdar estará sedeada a futura companhia energética de Abu Dhabi, uma universidade (a “Masdar Institute of Science and Technology” - MIST) que acolhe os primeiros alunos já no próximo ano e um núcleo comercial apoiado por um “Innovation Center”. Várias empresas/instituições mundiais de referência são parceiras neste mega projecto: Massachusetts Institute of Technology, GE, BP, Rolls-Royce, Royal Dutch Shell, Rio Tinto, entre outras. De acordo com o coordenador do projecto, todas estas parcerias tem como principal motivação a absorção de “experts” no assunto e não a necessidade de reunir capital. O projecto conta ainda com um forte entusiasta, o Sheikh Mohammed al-Nahyan. O Masdar Project pretende tornar-se numa proposta de referência no desenvolvimento sustentável e na procura de novas formas de criar lugar habitável.
O Masdar Project é um projecto ambicioso e futurista, que responde às preocupações crescentes da sociedade em termos de utilização de energias renováveis, da cultura de aproveitamento eficiente de energia e do desenvolvimento de tecnologias limpas, etc. Mas há algumas questões pertinentes para as quais não há reposta e que podem pôr em causa a dimensão sustentável. Apesar dos esforços para minimizar o consumo de energia e eliminar as emissões de gás, a construção da cidade terá implícitas grandes emissões de carbono. Aliás, o sector da construção é um dos menos ecológicos. Por outro lado, a cidade não tem capacidade energética para os períodos nocturnos, uma vez que está alicerçada em painéis solares. Por isso, terá de importar gás da rede de Abu Dhabi. Por causa desta deficiência energética, a cidade não poderá albergar indústrias com utilizações intensivas de energia. As condições atmosféricas da região são muito desfavoráveis. E, em redor da cidade vigoram as habituais regras de Abu Dhabi, caracterizadas por uma reduzida preocupação ambiental.
Num período de forte crise financeira internacional, de degradação das condições de emprego e de retracção da produção, só mesmo o grupo de investidores com elevada capacidade financeira desta região poderá erguer este projecto megalómano. Resta saber se Masdar passará um dia de plataforma de testes ambientais para um centro económico, financeiro e tecnológico de carácter internacional. Infelizmente, acredito que não, pelo menos não na próxima década.
Sem comentários:
Enviar um comentário