12 dezembro 2008

don Jorgito de las Biblias



Mater Dolorosa é um livro sobre a história das ideias políticas e sociais em Espanha durante o século XIX. O tema central do livro é a emergência da ideia moderna de Nação em Espanha, por oposição à ideia que os espanhois possuiam de si mesmos como os líderes de uma civilização universal baseada no catolicismo.

As ideias saídas do protestantismo, do iluminismo e da revolução francesa - entre elas, a própria ideia de nação - que tão facilmente ganharam raízes em França, na Alemanha e na Europa do norte defrontaram-se com uma terrível oposição em Espanha, que se via a si própria como o mais precioso fruto do catolicismo e líder incontestada do catolicismo no mundo.

Muito do interesse do livro centra-se nesse conflito - que ganha intensidade a partir das invasões napoleónicas do início do séc. XIX - entre as ideias da modernidade, vindas sobretudo de França, e a resistência que lhes é oposta pelas ideias pertencentes à tradição católica, e que fará do século XIX espanhol largamente um século perdido. Este conflito permanece na actualidade e a própria ideia de Nação não possui em Espanha ainda hoje o poder unificador que ganhou nos países do norte da Europa - os vários nacionalismos espanhóis estando aí para o confirmar.

Para o leitor português - e à parte a ideia de Nação, muito mais forte desde cedo em Portugal do que em Espanha - o interesse do livro reside no extraordinário paralelismo da história das ideias entre os dois países ao longo do século XIX, e também no da sua história social e política. Ao ler o livro é como se estivéssemos a ler a história de Portugal naquele século, mas agora em grande.

A Espanha e Portugal são dois países de cultura profundamente católica. Eles nunca aceitaram plenamente as ideias do iluminismo e da revolução francesa que são herdeiras do protestantismo - a democracia-liberal, o constitucionalismo, o Estado moderno e todo-poderoso, o predomínio supremo da razão, a separação entre o Estado e a Igreja, etc. - e ainda hoje não as aceitam. Daqui deriva a sua permanente instabilidade social e política ao longo dos dois últimos séculos, constantemente vacilando entre a democracia, que acaba sempre falhada, e as soluções autoritárias, para pôr as coisas na ordem.

Numa passagem muito engraçada, o autor de Mater Dolorosa, ilustra a frieza com que as ideias protestantes foram recebidas em Espanha, referindo o caso de um pastor evangélico, George Borrow, que procurou exercer a sua pregação em terras andaluzas e castelhanas em meados do século XIX. Viria mesmo a escrever um livro com o relato da sua estadia (The Bible in Spain). Quanto ao sucesso da sua pregação, talvez ele se possa avaliar pela alcunha com que os espanhois rapidamente o baptizaram: don Jorgito de las Biblias.
.
(*) José Álvarez Junco, Mater Dolorosa: A Ideia de Espanha en el Siglo XIX, Madrid: Santillana Ediciones Generales, 2007 (10ª. Edição)

Sem comentários: