Portugal e os portugueses possuem uma cultura admirável em muitos aspectos. A qualidade da vida intelectual (e cívica) não é, porém, um dos seus atributos. Há semanas eu inquiria o Joaquim sobre o choque que sentiu ao voltar a Portugal depois de viver vários anos nos EUA. Se bem recordo, ele descreveu a sensação mais ou menos assim: "É uma espécie de mão invisível que cai sobre nós e nos impede de exprimir o que pensamos".
Esta mão invisível são as pessoas e as instituições que nos rodeiam - a cultura do país - que, através de múltiplos sinais, de que elas e nós próprios quase nunca nos apercebemos, nos vão constantemente transmitindo a mesma mensagem: "Nada de ideias novas ou opiniões independentes, sobretudo em público".
A minha readaptação, neste aspecto, à cultura portuguesa - se é que alguma vez me readaptei (infelizmente, eu desconfio que não) -, depois de vários anos de vida na América do Norte exercendo uma profissão intelectual, assumiu, por vezes, episódios trágico-cómicos. Eu tinha saído de Portugal quando a democracia estava ainda na sua infância, e uma infância turbulenta. Quando regressei a democracia já era adolescente. Entretanto eu passara oito anos num país protestante que nascera em democracia e sempre vivera em democracia e onde a liberdade de expressão do pensamento é absoluta (excepção feita a ofensas e outros maus tratos entre pessoas).
Obviamente, eu sobrestimei a maturidade da democracia portuguesa no meu regresso. Em certa altura, no final dos anos oitenta, fundou-se um novo jornal chamado O Liberal. Parecia-me um projecto sério e devidamente financiado e a directora era a Maria João Avillez. Eu já tinha ganho uma pequena reputação como economista liberal e um conhecido meu, jornalista, e pessoa que eu ainda hoje tenho em alta conta, recomendou-me à direcção para escrever para o jornal. Assim se fez. O jornal era semanário e saía à sexta ou ao sábado, já não consigo precisar.
Quando chegou a altura de escrever o artigo para o primeiro número estava a decorrer uma greve de professores. Eu escolhi a greve para tema. Pronunciei-me criticamente sobre a greve, mas em tom cordial e em nenhum momento ofendi alguém. O artigo saiu com uma grande chamada de atenção logo na primeira página.
Na terça feira seguinte, o meu amigo telefonou-me embaraçado e pesaroso a dizer-me que o jornal não contava mais comigo. Estava despedido. Começaram a sair artigos em vários jornais a insultar-me - o Semanário publicou várias cartas ao director redigidas por professores cujo tema era o insulto à minha pessoa, e o próprio O Liberal, no seu número seguinte, fez o mesmo. Um irmão meu, que vive na margem sul do Tejo, telefonou-me para o Porto, onde resido, e avisou-me. "Se vieres a Lisboa visitar a família, não passes a Ponte porque o teu nome anda por aqui escrito nas paredes, e não por boas razões".
Outros episódios do mesmo género eu iria viver nos anos seguintes. Passados vinte anos, continuei a vivê-los, a última vez na blogosfera, mesmo se a democracia portuguesa entretanto já é adulta. Trata-se, obviamente, de uma questão de cultura, e a cultura não muda com os regimes políticos, ou só muda muito lentamente.
Esta mão invisível são as pessoas e as instituições que nos rodeiam - a cultura do país - que, através de múltiplos sinais, de que elas e nós próprios quase nunca nos apercebemos, nos vão constantemente transmitindo a mesma mensagem: "Nada de ideias novas ou opiniões independentes, sobretudo em público".
A minha readaptação, neste aspecto, à cultura portuguesa - se é que alguma vez me readaptei (infelizmente, eu desconfio que não) -, depois de vários anos de vida na América do Norte exercendo uma profissão intelectual, assumiu, por vezes, episódios trágico-cómicos. Eu tinha saído de Portugal quando a democracia estava ainda na sua infância, e uma infância turbulenta. Quando regressei a democracia já era adolescente. Entretanto eu passara oito anos num país protestante que nascera em democracia e sempre vivera em democracia e onde a liberdade de expressão do pensamento é absoluta (excepção feita a ofensas e outros maus tratos entre pessoas).
Obviamente, eu sobrestimei a maturidade da democracia portuguesa no meu regresso. Em certa altura, no final dos anos oitenta, fundou-se um novo jornal chamado O Liberal. Parecia-me um projecto sério e devidamente financiado e a directora era a Maria João Avillez. Eu já tinha ganho uma pequena reputação como economista liberal e um conhecido meu, jornalista, e pessoa que eu ainda hoje tenho em alta conta, recomendou-me à direcção para escrever para o jornal. Assim se fez. O jornal era semanário e saía à sexta ou ao sábado, já não consigo precisar.
Quando chegou a altura de escrever o artigo para o primeiro número estava a decorrer uma greve de professores. Eu escolhi a greve para tema. Pronunciei-me criticamente sobre a greve, mas em tom cordial e em nenhum momento ofendi alguém. O artigo saiu com uma grande chamada de atenção logo na primeira página.
Na terça feira seguinte, o meu amigo telefonou-me embaraçado e pesaroso a dizer-me que o jornal não contava mais comigo. Estava despedido. Começaram a sair artigos em vários jornais a insultar-me - o Semanário publicou várias cartas ao director redigidas por professores cujo tema era o insulto à minha pessoa, e o próprio O Liberal, no seu número seguinte, fez o mesmo. Um irmão meu, que vive na margem sul do Tejo, telefonou-me para o Porto, onde resido, e avisou-me. "Se vieres a Lisboa visitar a família, não passes a Ponte porque o teu nome anda por aqui escrito nas paredes, e não por boas razões".
Outros episódios do mesmo género eu iria viver nos anos seguintes. Passados vinte anos, continuei a vivê-los, a última vez na blogosfera, mesmo se a democracia portuguesa entretanto já é adulta. Trata-se, obviamente, de uma questão de cultura, e a cultura não muda com os regimes políticos, ou só muda muito lentamente.
Sem comentários:
Enviar um comentário