12 novembro 2008

como se uma catástrofe


O governo americano anunciou hoje que vai entrar directamente no capital dos bancos, em lugar de lhes comprar os activos tóxicos. A avaliação destes activos é um processo moroso e há necessidade de fazer voltar os bancos rapidamente à sua actividade primordial de concessão de crédito. A entrada directa do Estado no seu capital é uma solução mais expedita para capitalizar os bancos. A mesma solução será adoptada em relação a grandes empresas de outros sectores da economia, falando-se agora num bail out de $25 biliões às três maiores do sector automóvel - GM, Ford e Chrysler. Um extenso plano de nacionalizações, totais ou parciais, está em curso nos EUA.
.
Será a nacionalização de bancos e outras empresas um golpe duro para a eficiência da economia americana? A minha resposta é não. Se o fenómeno ocorresse em Portugal a minha resposta seria sim. Estou de volta à questão que eu próprio caracterizei como a questão de "mete Estado, tira Estado" a que nas últimas décadas se resumiu o pensamento económico moderno - especialmente, o de inspiração liberal. Trata-se, em parte, de uma herança dos economistas liberais, como Mises ou Hayek que, à maneira kantiana, consideravam que a ciência económica era acultural e que podia ser produzida no sofá e sem sair de casa, através da enunciação de princípios gerais e universais deduzidos a partir da natureza humana, sem necessidade de prestar atenção à realidade.

A existência de culturas entre as nações, maneiras diferentes de interpretar e olhar a vida e de lhe dar um significado, constitui um dos maiores empecilhos ao liberalismo económico moderno, e ele revela-se com maior nitidez na questão do Estado. Uma das maiores diferenças entre os países de cultura protestante e os países de cultura católica é a enorme importância e a maior deferência que os primeiros atribuem aquilo que é público, e que eu tenho frequentemente enfatizado como o seu espírito público.

É nos países protestantes - os escandinavos à frente de todos - que o Estado ocupa um maior espaço na vida económica e social e, não obstante, esses países são os mais ricos e desenvolvidos do mundo. Nestes países, é possível encontrar empresas públicas, ou até departamentos do Estado, que são geridos com igual ou maior eficiência do que empresas privadas. Não é mera coincidência que estes países sejam também aqueles onde os índices de corrupção são os mais baixos do mundo. Quem malbarate propriedade pública, ou a utilize em benefício próprio e da família ou dos amigos vai rápida e directamente para a prisão por muitos e sólidos anos.

Nos países de tradição protestante o Estado é visto como uma instituição essencial à promoção do bem comum para a qual todos têm o dever de contribuir e de cuja actividade todos esperam colher benefícios de forma justa e equitativa. Os cidadãos orgulham-se do seu Estado e dos serviços que ele lhes presta. O chamado Estado-Social ou Estado-Providência é, ele próprio, uma invenção protestante (Bismarck). Por isso, a nacionalização de bancos e outras empresas nos EUA não terá consequências negativas sobre a economia americana. Provavelmente, terá consequências positivas porque esses bancos e empresas passarão nas mãos do Estado a ser geridos por critérios mais exigentes do que quando estavam em mãos privadas - mãos privadas que os levaram à situação de falência em que eles presentemente se encontram.

A situação é diferente nos países de cultura católica, e a hipótese do menino-mimado possui aqui um grande poder explicativo. O menino-mimado não tem espírito público nenhum - excepto quando está sob o controlo da autoridade. O seu espírito é eminentemente privado. Quando ele tem a possibilidade de deitar mão àquilo que é público a sua inclinação natural é para utilizar a propriedade pública, não em benefício de todos, mas em benefício dele próprio, da sua família e dos seus amigos. Por isso, um programa de nacionalizações em Portugal semelhante àquele que se desenha nos EUA, seria como se uma catástrofe económica se abatesse sobre o país.

Sem comentários: