09 outubro 2008

ética monárquica?

Não tendo a veleidade de me imiscuir neste debate, entre o Corcunda e José Adelino Maltez, sobre as relativas virtudes da república e da monarquia, até por presentemente me desconsiderar monárquico ou republicano, não posso deixar de manifestar algum espanto ao verificar o reconhecimento da vacuidade que alguns monárquicos manifestam (parece-me que o Corcunda é um deles) sobre o ideal que defenddem. Registando o louvável exercício de modéstia, eu gostaria de dizer que ela me parece excessiva e, porventura, indiciadora de uma certa falta de clareza sobre os valores que a monarquia poderá corporizar nas conturbadas sociedades dos nossos dias. Passo, então, a dizer ao que venho, pedindo antecipadamente desculpas pelo atrevimento.

Em primeiro lugar, uma constatação: as formas republicanas de estado encontram-se, hoje, esgotadas. Ou são puras macaqueações do modelo monárquico, nos países que seguiram um sistema parlamentar de governo, onde o presidente é eleito em sufrágio restrito, e, na prática, mais não é do que um rei sem trono; ou são consideradas mais como uma forma de governo do que de estado, no sentido de que o presidente é visto como um protagonista político activo, como sucede em modelos semipresidencialistas, como é o caso do português. Os únicos países onde a república se mantém relativamente viçosa são aqueles que adoptaram o modelo presidencialista, destacando-se entre eles os EUA, onde o chefe de estado é, sobretudo, chefe de governo, logo, é um protagonista político constitucionalmente assumido, sem qualquer tipo de equívocos ou reservas.

Depois, no que toca aos valores fundacionais das repúblicas do nosso tempo – a ética política, a laicização do estado, a democracia partidária, etc. -, eles estão hoje ou absolutamente consagrados como princípios estruturantes do nosso modo político de vida (como a democracia e a laicização da sociedade política), ou foram postos em causa pela força das coisas, como sucedeu com a famigerada “ética republicana”. Também aqui não há nada de particularmente interessante que nos possa ser oferecido pelo republicanismo, que, pelo menos, a monarquia não possa também oferecer.

O que poderá, então, oferecer a monarquia que a república não possa dar-nos hoje? Que valor societário fundamental poderá ela corporizar, em contraponto ao patriotismo primordial da república, a que alude José Adelino Maltez, ou à famosa “ética republicana”, com que sempre argumentam os seus partidários? Eu diria que ela pode representar o ideal da liberdade política, no seu sentido mais nobre e rigoroso de liberdade do indivíduo e das instituições sociais perante o estado e a sociedade política.

De facto, o que faz, hoje, falta nas nossas sociedades democráticas ocidentais são mecanismos e instituições que defendam os indivíduos perante os abusos e os atropelos do poder político. As garantias constitucionais e os mecanismos fiscalizadores revelaram-se claramente insuficientes. Desde logo, porque o conceito de soberania se tem expandido ao ponto de conceber como aceitável qualquer decisão de um poder político legitimado pelo sufrágio universal. E também porque a república não foi capaz de gerar instituições políticas suficientemente imparciais, isentas e estáveis que estejam habilitadas a exercer a função moderadora dos órgãos políticos soberanos.

Em Portugal, descendo agora à nossa comezinha realidade, as pessoas e as instituições encontram-se escravizadas pelo estado. Vivem para o estado, dependem do estado, foram tomadas pelo estado até aos mais ínfimos pormenores das suas existências. O esvaziamento da individualidade e dos vários poderes sociais outrora existentes deveu-se, entre outros aspectos, à exaltação republicana do estatismo (o estado como veículo portador de uma ética social), e à falta de mecanismos de contenção da expansão dos poderes públicos. As pessoas não gostam do país, estão zangadas com ele, desconfiam, muito justamente, dos poderes públicos, a quem mantêm respeito por puro temor.

Neste estado das coisas, dificilmente a república se conseguirá reabilitar e regenerar, ao ponto de restituir aos portugueses a auto-estima necessária a que eles estimem também o seu país. Por conseguinte, uma monarquia que se valorasse pelo valor fundamental da liberdade, que garantisse os direitos fundamentais dos cidadãos e das suas instituições face ao estado, e que fosse o ponto de equilíbrio e de tutela constitucional dos vários poderes públicos, assentando num rei-moderador necessariamente impossibilitado de exercer cargos governativos, seria portadora de uma verdadeira ética política, que há muito não conhecemos. E seria muito bem vinda, embora, para que tal fosse possível, os próprios monárquicos teriam de ser capazes de a merecer. Ora, essa é já uma outra questão.

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