O corporativismo foi uma tentativa mediterrânica de legitimação de poderes totalitários, que surgiu em reacção ao primeiro parlamentarismo democrático fracassado.
A ideia que o enfermava era, ela mesma, reactiva: a superação da doutrina marxista da luta de classes, pela concepção ficcionada de uma sociedade em que os interesses sociais e políticos se canalizariam pelos mesteres harmoniosamente conjugados com um estado forte. Fazendo a genealogia da ideia, encontramos a sua origem remota na organização política estamental, que tomou forma também reactiva no anti-constitucionalismo da primeira metade do século XIX. Em Portugal, com o miguelismo. Mais tarde, beneficiando das múltiplas asneiras da República, com António de Oliveira Salazar, que retomou a ideia, e a utilizaria em seu benefício para justificar um poder não legitimado.
Só por ingenuidade se pode olhar para os trinta e cinco anos de Estado Novo salazarista (1933-1968) e imaginá-lo politicamente uniforme e coeso. Naturalmente que a questão da chefia estava clara, mas a «unidade» em torno do chefe era pura ficção. Durante o longo consulado salazarista, a sociedade portuguesa, como qualquer outra em qualquer tempo e lugar, estava politicamente dividida em inúmeras facções e partidos. Desde logo, os que se não identificavam com o regime – o Partido Comunista Português (com existência real) e os herdeiros da República, que viriam a fundar, mais tarde, o Partido Socialista. Mas, também, dentro do Estado Novo coexistiam diferentes partidos representativos de diversas concepções políticas quanto à evolução do regime, agrupados em torno de personalidades relevantes. Só para citar alguns dos mais salientes, refiram-se os “partidos” de Humberto Delgado (um homem de confiança do regime, até deixar de o ser…), Botelho Moniz (idem), Adriano Moreira, Kaúlza de Arriaga, Américo Thomaz e, claro, aquele que ganhou o “referendo” de 1968, o partido de Marcelo Caetano, que praticamente já existia desde a fundação do regime.
O problema do cooperativismo está no facto de criar uma estrutura parasitária em torno do estado, que o influencia e manipula ao sabor de interesses de natureza particular. Ainda por cima, sem qualquer legitimidade, e sem permitir a circulação política dos governantes, o que provoca situações de claustrofobia, que acabam sempre por explodir, mais tarde ou mais cedo, com consequências dramáticas, como as que ocorreram após o 25 de Abril.
A realidade dos nossos dias permanece muito longe de se distinguir desse passado recente. Em boa verdade, os tiques do estado salazarento estão quase todos por aí. Onde existia uma União Nacional, passou a haver um rotativismo do Bloco Central. Os interesses das corporações – mais fortes e interventivas do que nunca – continuam a ditar parte substantiva da acção dos governos. O estatismo amancebado com o corporativismo domina. O culto do chefe, ainda que este seja temporalmente mais efémero, continua. O respeitinho é muito lindo, e quem tem que pagar contas ao fim do mês sabe bem o que a vida custa a ganhar. O Venerando Chefe de Estado permanece o Venerando Chefe de Estado. Sempre seguido por inúmeras procissões de lacaios sorridentes em cada grande confraternização da portugalidade, devidamente assinalada por um descerramento de uma lápide, uma fita cortada, uma jantarada deglutida. Os abusos e as arbitrariedades - sempre legalmente fundamentadas e a Bem da Nação, claro! – são o nosso dia-a-dia.
Em conclusão, Portugal foi, é e será sempre um estado corporativo e salazarento. Mesmo antes do nascimento de António de Oliveira Salazar, e certamente muito para além da sua morte.
A ideia que o enfermava era, ela mesma, reactiva: a superação da doutrina marxista da luta de classes, pela concepção ficcionada de uma sociedade em que os interesses sociais e políticos se canalizariam pelos mesteres harmoniosamente conjugados com um estado forte. Fazendo a genealogia da ideia, encontramos a sua origem remota na organização política estamental, que tomou forma também reactiva no anti-constitucionalismo da primeira metade do século XIX. Em Portugal, com o miguelismo. Mais tarde, beneficiando das múltiplas asneiras da República, com António de Oliveira Salazar, que retomou a ideia, e a utilizaria em seu benefício para justificar um poder não legitimado.
Só por ingenuidade se pode olhar para os trinta e cinco anos de Estado Novo salazarista (1933-1968) e imaginá-lo politicamente uniforme e coeso. Naturalmente que a questão da chefia estava clara, mas a «unidade» em torno do chefe era pura ficção. Durante o longo consulado salazarista, a sociedade portuguesa, como qualquer outra em qualquer tempo e lugar, estava politicamente dividida em inúmeras facções e partidos. Desde logo, os que se não identificavam com o regime – o Partido Comunista Português (com existência real) e os herdeiros da República, que viriam a fundar, mais tarde, o Partido Socialista. Mas, também, dentro do Estado Novo coexistiam diferentes partidos representativos de diversas concepções políticas quanto à evolução do regime, agrupados em torno de personalidades relevantes. Só para citar alguns dos mais salientes, refiram-se os “partidos” de Humberto Delgado (um homem de confiança do regime, até deixar de o ser…), Botelho Moniz (idem), Adriano Moreira, Kaúlza de Arriaga, Américo Thomaz e, claro, aquele que ganhou o “referendo” de 1968, o partido de Marcelo Caetano, que praticamente já existia desde a fundação do regime.
O problema do cooperativismo está no facto de criar uma estrutura parasitária em torno do estado, que o influencia e manipula ao sabor de interesses de natureza particular. Ainda por cima, sem qualquer legitimidade, e sem permitir a circulação política dos governantes, o que provoca situações de claustrofobia, que acabam sempre por explodir, mais tarde ou mais cedo, com consequências dramáticas, como as que ocorreram após o 25 de Abril.
A realidade dos nossos dias permanece muito longe de se distinguir desse passado recente. Em boa verdade, os tiques do estado salazarento estão quase todos por aí. Onde existia uma União Nacional, passou a haver um rotativismo do Bloco Central. Os interesses das corporações – mais fortes e interventivas do que nunca – continuam a ditar parte substantiva da acção dos governos. O estatismo amancebado com o corporativismo domina. O culto do chefe, ainda que este seja temporalmente mais efémero, continua. O respeitinho é muito lindo, e quem tem que pagar contas ao fim do mês sabe bem o que a vida custa a ganhar. O Venerando Chefe de Estado permanece o Venerando Chefe de Estado. Sempre seguido por inúmeras procissões de lacaios sorridentes em cada grande confraternização da portugalidade, devidamente assinalada por um descerramento de uma lápide, uma fita cortada, uma jantarada deglutida. Os abusos e as arbitrariedades - sempre legalmente fundamentadas e a Bem da Nação, claro! – são o nosso dia-a-dia.
Em conclusão, Portugal foi, é e será sempre um estado corporativo e salazarento. Mesmo antes do nascimento de António de Oliveira Salazar, e certamente muito para além da sua morte.
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