30 outubro 2008

Incentivos e fluxos


Nas últimas semanas, redescobriu-se o termo "poupança". Subitamente, voltámos a ouvir falar em aforro, parcimónia, moderação, contenção e sabe-se lá mais o quê. Todos dizem o mesmo. Governantes, financeiros, banqueiros, o Papa, o zé da esquina, entre tantos outros.

O problema é que, apesar do discurso, não existem incentivos concretos que conduzam à poupança. A ameaça do desemprego só se fará sentir na poupança quando os despedimentos se concretizarem. E as taxas de juro, inferiores ou semelhantes à inflação, fazem com que o aforro seja uma alternativa pior que o consumo. Por mais coloridos que sejam os alertas públicos, a verdade é que o público e as empresas só reagem perante incentivos objectivos.

Nas base destas minhas afirmações estão os dados económicos que vão sendo divulgados nos EUA. Há pouco foi apresentado o "Personal Consumption Expenditures core index", o indicador de inflação que Alan Greenspan idolatrava e que apresentou uma leitura de +2,9% ao ano. Ora, a taxa de juro do FED está em 1% desde ontem. A taxa de juro real, ajustada pela inflação, é negativa. Por isso, não há incentivo ao aforro - apenas ao consumo e à dívida. A mensagem do FED é clara: continuem a gastar, continuem a endividar, continuem como se nada fosse. Podem ver os gráficos aqui.

Enfim, o meu ponto é o seguinte: estamos a perder uma oportunidade dourada para reformar o sistema financeiro. Eu estive de acordo com a ideia de absorver e fechar o mercado de derivados de crédito, vulgo "activos tóxicos", para conter e eliminar os riscos sistémicos. Também estive de acordo com as garantias bancárias governamentais a fim de evitar as corridas aos bancos e a constatação de que, infelizmente, não existiam lá notas suficientes para cada depósito. Contudo, não posso estar de acordo com a redução das taxas de juro, para valores próximos ou inferiores aos da inflação, porque o problema não é crédito a menos. É precisamente o contrário: é crédito a mais.

Ou seja, a taxa de juro directora do banco central devia estar mais alta, bem mais alta, para atrair a poupança das empresas e das famílias. É esse o sinal que tem de ser dado. Porque também é esse o sinal que, ao direccionar mais depósitos para os bancos (ainda tão necessitados de capital), ajudará a restabelecer a inércia monetária, através da inversão dos actuais fluxos de capital, que é crucial para a concretização de uma maior prudência na gestão do risco bancário. Foi na avaliação desleixada do risco bancário que tudo começou. É aqui que tudo tem de recomeçar. Infelizmente, parece que o FED se prepara para rodar o disco e tocar o mesmo.

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