22 outubro 2008

caro modernista,

Apesar de já não estar habituado, de há muitos anos, a responder a exames de propedêutica universitária, respondo-lhe, com gosto, às questões que me elencou. Faço-o tendo, para mim, como assente que você aceitará a condição paritária de responder a outras tantas perguntas que lhe colocarei no fim deste post. Não duvido que, do mesmo modo que lhe dou a conhecer o que penso sobre os assuntos acerca dos quais me inquiriu, também você não se furtará a revelar o que pensa sobre aqueles em que me interessa escutá-lo. Tem, para tanto, à sua disposição, se o desejar, a página do Portugal Contemporâneo e não apenas a caixa de comentários deste post, onde não gostaria de ver perdidas ou diminuídas as suas respostas. Vamos, pois, ao que importa.


As suas perguntas eram:

1) Pensa que a conduta homossexual é imoral? Porquê?

2) Julga que o Estado deve estender o regime do casamento civil as uniões homossexuais? Porquê?

3) E, caso a resposta anterior seja negativa, acha que o Estado deve reconhecer por qualquer outra forma, como benefícios fiscais, tais uniões? Porquê?

4) Defina, ou pelo menos examine o conceito de, "capacidade volitiva"? Peco-lhe uma definição que inclua o critério de aplicação do conceito a realidade; ou seja, uma definição operativa.

5) Como e que a sua resposta anterior se integra com a distinção básica do liberalismo entre "direitos" e "vida boa" ou "justiça" e "bem".

6) Acha que o ser humano tem uma natureza supra-material? Se sim, haverá e quais serão havendo os reflexos morais dessa realidade?



E as minhas respostas são:

1) Todos os indivíduos têm direito a dispor de si próprios, tendo em vista a prossecução do seu direito à procura da felicidade. A sexualidade é parte inerente da personalidade do indivíduo e o modo como cada um compõe, define e orienta a sua personalidade só a si diz respeito. Nessa medida, o comportamento individual, enquanto direito à livre escolha do homem sobre si mesmo, não pode estar sujeito a uma avaliação moral objectiva, ou exterior ao juízo próprio do sujeito. Todavia, se entendermos a moral como o conjunto de regras e de procedimentos espontaneamente gerados entre os indivíduos, que melhor os adequam às suas finalidades existenciais individuais e sociais, e que contribuem para perfectibilidade da humanidade como um todo, dificilmente teremos a homossexualidade como um comportamento moral. De facto, a homossexualidade não se coaduna facilmente com o instinto natural da reprodução, inato e implícito a qualquer espécie animal, menos ainda se compatibiliza com instituições socialmente estabilizadas de há muito, entre elas a família e a religião. Não por acaso, todas as religiões reveladas a condenam, como sabe.

2) O regime jurídico do contrato de casamento, com os mesmos direitos e garantias com que a lei civil o caracteriza, deverá estender-se às uniões homossexuais. Falando de contratos entre cives, deverá prevalecer a livre vontade das partes na sua celebração e na determinação de boa parte do seu clausulado. Nada impede que a lei reconheça e o estado certifique a união de duas pessoas do mesmo sexo, que pretendam estabelecer entre si e com efeitos jurídicos “uma plena comunhão de vida”, mesmo, se quiser, uma “família” em sentido lato. A extensão do regime jurídico do contrato de casamento às uniões homossexuais, não obriga a baptizar esse contrato com o nome de “casamento”. Todavia, se for essa a vontade do legislador, correspondendo ela provavelmente ao espírito do tempo e à communis opinio doctorum dos nossos mais consagrados civilistas, também não me repugna que o faça. No fim de contas, mais do que o nome das coisas, importará a sua substância.

3) A resposta à pergunta anterior não foi negativa. Mas, já que toca no assunto dos benefícios fiscais concedidos pelo estado em razão da constituição de família, não creio que eles devam existir, nem me parece acertada uma política fiscal de concessões casuísticas de benefícios como forma de fomento da economia, seja da economia das empresas, seja da economia das famílias. Acertaria mais e melhor o estado se tivesse uma outra política fiscal, que efectivamente respeitasse a legítima propriedade de cada um. O que não acontece, nem antevejo que possa vir a acontecer, tão cedo, em Portugal.

4) Caro Modernista, esta de pedir definições sebenteiras nem parece sua. Tenho-o como um académico mais exigente. Ainda assim, dentro do que permite a minha pobre ciência e procurando evitar a sebenta, sempre lhe direi que a capacidade volitiva é a possibilidade que cada sujeito tem de escolher entre dois ou mais actos que ele se ache capaz de materializar. Operacionalizando o conceito, não me remetendo à pura abstracção, não duvido que a realidade – essa maçadora! – para a qual me empurrou, limita, quase sempre, o leque possível das nossas escolhas. Todavia, no plano da moral e da ética, para onde a sua pergunta se parece encaminhar, se nem sempre é possível escolher plenamente o que queremos, quase sempre nos é permitido rejeitar o que não queremos. E isso é, a meu ver, quanto basta para não trairmos a nossa liberdade.

5) Meu Caro, a liberdade de escolha, numa óptica liberal, não se vê limitada perante as decisões a tomar por um indivíduo que persiga uma “vida recta”, a “justiça” e o “bem”. Os seus “direitos”, iguais aos dos seus semelhantes perante a lei, eu preferiria, perante o direito, não colidem com os dos outros, menos ainda excluem a liberdade das escolhas individuais que os permitam alcançar ou conter dentro daqueles valores.

6) O homem tem certamente uma dimensão espiritual, que se concilia naturalmente com a sua materialidade. Se pretende que eu atribua uma transcendência, no sentido kantiano da expressão, à pessoa humana, eu gostaria de lhe poder responder afirmativamente, mas, infelizmente, não me sinto suficientemente habilitado a isso. A razão não me permite alcançá-la e a graça de Deus, embora a tivesse já sentido, não me fez ainda ver mais longe, ao ponto de lhe garantir a transcendência do homem. Aguardo, portanto, por melhores dias.


E agora, meu caro Modernista, aqui vão as minhas perguntas. Faço-lhas com o mesmo espírito com que se me dirigiu, que é o de estar genuinamente interessado em debater estas questões. E pedia-lhe, sem qualquer ironia, que me desse, de facto, as suas opiniões, e não as que frequentemente colhe na doutrina. São elas:

1) Pensa que a conduta homossexual é moral? Porquê?

2) Em caso afirmativo, como concilia a conduta homossexual com a moral cristã?

3) Julga que o Estado deve estender o regime do casamento civil as uniões homossexuais? Porquê?

4) E, caso a resposta anterior seja afirmativa, acha que o Estado deve reconhecer por qualquer outra forma, como benefícios fiscais, tais uniões? Porquê?

5) Defina, ou pelo menos examine, o conceito de, "capacidade volitiva"? Entende que ela é a mesma para todos os indivíduos, sejam eles um mediano pai de família, crianças, doentes mentais, pródigos e masoquistas?

6) Como e que a sua resposta anterior se integra com as distinções de “bem” e de “mal”, da “virtude” e do “vicio”, do que é “moral” e “imoral”?

7) Acha que o ser humano tem uma natureza supra-material? Se sim, haverá e quais serão havendo os reflexos morais dessa realidade?


Cá fico a aguardar os seus esclarecimentos.

Cumprimentos cordiais,

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