03 outubro 2008

Arrendamento





Obrigado pelas suas questões.

Em relação à 1), confesso que não me sinto à vontade para lhe responder. Não sou um especialista em mercado imobiliário no período do Estado Novo. Aliás, em 1974 ainda não tinha sequer nascido! Mas o Rui, o Joaquim ou o PA poderão esclarecê-lo nesse ponto. Quanto às restantes observações, tenho alguns comentários a fazer.

Primeiro, na minha sensibilidade, mesmo que o custo da renda seja semelhante ao custo da prestação do empréstimo, mesmo assim, continuo a acreditar que a flexibilidade associada à renda, concretizada na mobilidade laboral necessária ao sucesso profissional no início (e a meio) da vida activa, ou simplesmente no desprendimento emocional que qualquer jovem precisa de usufruir para manter intactos os seus sonhos, faz com que a renda seja a alternativa preferível.

Segundo, o potencial de valorização do mercado imobiliário, presente no subconsciente dos nossos cidadãos, está um bocadinho empolado. Na realidade, as rentabilidades de 20 e 30% ao ano não são, infelizmente, a regra. Foram-no apenas nos últimos dez anos em face da bolha do crédito hipotecário, que agora se está a desfazer. Contudo, se analisarmos o mercado imobiliário norte-americano, um mercado maduro que pode servir de referência ao nosso, observamos que a taxa nominal de rentabilidade no longo prazo é de 6% ao ano (fonte: "Pioneering Portfolio Management", David Swensen, Yale University). Ou seja, longe de ser fantástica e certamente insuficiente para me levar a hipotecar a minha liberdade individual.

Terceiro, a influência do sector da construção civil. A sua acção, a prazo, pressiona os preços na baixa. Não tenho conhecimento das estatísticas, mas parece evidente que o crescimento da construção em Portugal é superior à evolução demográfica. Neste aspecto, a cidade de Braga, infelizmente influenciada por interesses obscuros que só a justiça portuguesa não vê, é o exemplo mais paradigmático que eu conheço no país.

Quarto, o papel dos bancos - os actores mais cruciais na estagnação do mercado de arrendamento. No que diz respeito à banca, o efeito sobre os preços é exactamente o contrário ao das construtoras. Em Portugal, os bancos, ao que julgo saber, são os maiores proprietários de imóveis através dos seus fundos de investimento imobiliários. Deste modo, as avaliações realizadas pelos auditores dos bancos, pagos por estes, tendem a sobreavaliar os preços dos respectivos parques imobiliários. Este conflito de interesse, exactamente igual ao caso das agências de rating, mais não faz do que contribuir para alimentar expectativas de valorização imobiliária insustentáveis. E, assim, toldar a opinião dos jovens a quem concedem empréstimos e que uma vez apanhados na ratoeira, dificilmente, sairão dela - "the middle class trap" no seu melhor.

Portanto, a solução que eu vejo como forma de dinamizar o mercado do arrendamento é devolver ao mercado imobiliário o seu verdadeiro valor, eliminando o conflito de interesses que existe actualmente entre bancos e avaliadores imobiliários. Este passo alcança-se por via regulamentar (no quadro actual, improvável) ou de forma espontânea que é o que está a decorrer nos Estados Unidos há mais de um ano e que, provavelmente, chegará a Portugal a breve prazo. Desemprego crescente, dificuldades de pagamento dos empréstimos, frustração com a incapacidade de vender os imóveis ao "suposto" preço de mercado, entre outros, conduzirão o mercado imobiliário para os seus patamares normais de rentabilidade e promoverão o mercado de arrendamento como a alternativa "pragmática". Além disso, na sequência desta crise financeira, os bancos vão retrair-se na concessão de crédito no que constituirá também, ironia do destino, um elemento deflacionista para o mercado imobiliário.

E, por fim, como disse o PA na caixa de comentários: "A grande vantagem do arrendamento: todas as casas podem ser minhas, desde que eu pague a renda."

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