Anda por aí um livrinho interessante, intitulado Para que Serve a Verdade?, que sintetiza a posição de dois filósofos contemporâneos sobre um tema que pode ser considerado o mais importante de toda a Filosofia. Os filósofos em causa são Pascal Engel, da Sorbonne, e Richard Rorty, que foi professor de Stanford (falecido em 2007), e é o ícone do relativismo e do pragmatismo contemporâneos. Diga-se, em abono da verdade, que o livro só ganha verdadeiro interesse pela prestação de Rorty.
O título da obra é, em si mesmo, enviesado e determina o rumo do debate. "Para que serve a verdade", introduz uma dimensão utilitária ao conceito de "verdade", que Rorty, de resto, reivindica, e que o remete para uma ideia da utilidade prática, retirando-lhe qualquer validade intrinseca. Lembrando William James, também Rorty afirma que "se esse debate não tiver incidência prática, então ele também não deve ter incidência filosófica". Como relativista que é, Rorty não aceita o valor intrínseco do conceito de 'verdade", limitando-o à subjectividade. O exemplo colhido é o da crença, já que, obviamente, ela só pode ser concebida se não admitir, sequer como hipótese, estar errada. Isto é, a crença, por natureza, é verdadeira. Mas fazer a identificação desse conceito de "verdade" com o conceito de "justificação", ou seja, com a demonstração do seu valor intrínseco, é tarefa que Rorty não admite como possível.
De algum modo, Popper já tinha introduzido algum relativismo na ideia de verdade científica e, por pressuposto, nas ideias de verdade metafísica. Como é sabido, ele entende os postulados da ciência como conjecturas, isto é, como hipóteses explicativas de um determinado fenómeno observável, a todo o instante refutáveis por outras que o expliquem melhor. Todavia, Popper não conclui daqui que o conhecimento não esteja ao alcance do homem. Pelo contrário, ele entende o conhecimento humano como o maior milagre do universo. O que ele admite é que uma verdade científica de hoje possa não o ser amanhã. O progresso do conhecimento ocorre exactamente com a permanente tentativa de refutação dos postulados científicos em vigor, que podem confirmar ou infirmá-los. No fim de contas, apesar da objectividade empírica, ele não deixa de ver a verdade científica como uma crença subjectiva, na sua validade explicativa de um determinado fenômeno, no que não se situa a grande distância de Rorty.
O que impressiona na crítica mais corrente às crenças religiosas, é ela partir de postulados supostamente científicos. Desde Dawkins aos nossos ateístas indígenas, a maioria dos ateus militantes invoca a deusa Ciência para refutar as convicções intimas dos indivíduos sobre a transcendência. É um exercício estéril de positivismo, que Rorty desmonta muito bem, ao escrever que: "O positivismo procede, em geral, de uma tentativa que visa dizer que há algo de muito importante que se pode chamar de "busca da verdade" e que essa busca se exprime nas ciências empíricas, sendo essas as ciências que têm um contacto mais íntimo com a realidade. Essa atitude apóia-se sobre um certo número de re-descrições cuja finalidade é impor as ciências naturais como força dominante da cultura." Por definição, mesmo para os relativistas, a verdade religiosa não pode ser cientificamente refutada. Como é óbvio.
P.S.: o meu amigo CAA gabou-me o português, num exercício excessivo de amizade sincera e desinteressada. Eu penso que ele não tem razão e que isso não corresponde à verdade (por falar nela...). Ultimamente, o Carlos é que tem perdido tempo excessivo com literatura política de fraca qualidade...
O título da obra é, em si mesmo, enviesado e determina o rumo do debate. "Para que serve a verdade", introduz uma dimensão utilitária ao conceito de "verdade", que Rorty, de resto, reivindica, e que o remete para uma ideia da utilidade prática, retirando-lhe qualquer validade intrinseca. Lembrando William James, também Rorty afirma que "se esse debate não tiver incidência prática, então ele também não deve ter incidência filosófica". Como relativista que é, Rorty não aceita o valor intrínseco do conceito de 'verdade", limitando-o à subjectividade. O exemplo colhido é o da crença, já que, obviamente, ela só pode ser concebida se não admitir, sequer como hipótese, estar errada. Isto é, a crença, por natureza, é verdadeira. Mas fazer a identificação desse conceito de "verdade" com o conceito de "justificação", ou seja, com a demonstração do seu valor intrínseco, é tarefa que Rorty não admite como possível.
De algum modo, Popper já tinha introduzido algum relativismo na ideia de verdade científica e, por pressuposto, nas ideias de verdade metafísica. Como é sabido, ele entende os postulados da ciência como conjecturas, isto é, como hipóteses explicativas de um determinado fenómeno observável, a todo o instante refutáveis por outras que o expliquem melhor. Todavia, Popper não conclui daqui que o conhecimento não esteja ao alcance do homem. Pelo contrário, ele entende o conhecimento humano como o maior milagre do universo. O que ele admite é que uma verdade científica de hoje possa não o ser amanhã. O progresso do conhecimento ocorre exactamente com a permanente tentativa de refutação dos postulados científicos em vigor, que podem confirmar ou infirmá-los. No fim de contas, apesar da objectividade empírica, ele não deixa de ver a verdade científica como uma crença subjectiva, na sua validade explicativa de um determinado fenômeno, no que não se situa a grande distância de Rorty.
O que impressiona na crítica mais corrente às crenças religiosas, é ela partir de postulados supostamente científicos. Desde Dawkins aos nossos ateístas indígenas, a maioria dos ateus militantes invoca a deusa Ciência para refutar as convicções intimas dos indivíduos sobre a transcendência. É um exercício estéril de positivismo, que Rorty desmonta muito bem, ao escrever que: "O positivismo procede, em geral, de uma tentativa que visa dizer que há algo de muito importante que se pode chamar de "busca da verdade" e que essa busca se exprime nas ciências empíricas, sendo essas as ciências que têm um contacto mais íntimo com a realidade. Essa atitude apóia-se sobre um certo número de re-descrições cuja finalidade é impor as ciências naturais como força dominante da cultura." Por definição, mesmo para os relativistas, a verdade religiosa não pode ser cientificamente refutada. Como é óbvio.
P.S.: o meu amigo CAA gabou-me o português, num exercício excessivo de amizade sincera e desinteressada. Eu penso que ele não tem razão e que isso não corresponde à verdade (por falar nela...). Ultimamente, o Carlos é que tem perdido tempo excessivo com literatura política de fraca qualidade...
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