21 agosto 2008

Barajas

Uma repórter ainda ofegante dava-nos conta, num dos noticiários de ontem, das dificuldades que os jornalistas enfrentaram para cobrirem o desastre de Barajas. As autoridades locais teriam estabelecido um perímetro de segurança em torno do local do acidente para controlarem o registo e a divulgação da catástrofe, em particular, “a visão dos cadáveres e dos corpos desmembrados” (sic).
Num acidente desta magnitude pede-se contenção aos mensageiros da notícia. Filmar as vítimas seria obsceno, típico do terceiro-mundo. Não nos fartámos já de ver as vítimas do terrorismo no médio-oriente? Contudo, a referência da repórter tem um carácter simbólico. Pergunto, interessa a alguém ver os restos humanos mutilados, depois de um acidente? Com certeza! A toda a clientela boçal e rústica que constituí a actual massa dos telespectadores. Sabe-o a jornalista e sabemo-lo nós.
De onde vem este interesse pelo macabro? A resposta é cristalina: De 200.000 anos de selva. De uma época em que o canibalismo era a norma e o desmembramento dos cadáveres era imediatamente seguido pelo respectivo consumo, que aliás poderia representar a única possibilidade de sobrevivência. O desmembramento evoca ainda a desordem e o caos, contrários à autoridade patriarcal ou fálica, outro membro que é necessário castrar para que impere a anarquia.
Um acidente tão trágico como o de Barajas pode servir para questionarmos os fundamentos do nosso jornalismo, em particular do jornalismo televisivo. A curiosidade mórbida é um facto e terá as suas explicações psicológicas, mas nunca, em caso algum, deve ser explorada. Repito, pede-se grande contenção aos mensageiros das más notícias.
Que Deus nos ajude, porque só Ele nos pode tirar da selva.

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