07 maio 2008

be a champ!

A propósito do post do Ricardo vou contar um pouco da minha experiência nos EUA. Vivi em Nova Iorque de 1982 a 1987 e depois em Chicago até 1990. Fiz lá o internato de cirurgia e obtive o título de Diplomate of the American Board of Surgery em 1987.
Quando cheguei ao meu hospital em 1982, o serviço de cirurgia tinha 30 internos no primeiro ano, 15 no segundo e três do terceiro ao quinto e último ano. Já adivinharam portanto como é que o esquema funcionava, do primeiro para o segundo ano eram eliminados 50% dos internos e do segundo para o terceiro ano eram eliminados 80%. Quem chegava ao terceiro ano tinha quase garantido poder terminar o internato. A selecção dependia de um exame nacional que era efectuado todos os anos e da avaliação de tutores. Nunca tive qualquer dificuldade nos exames, porque ficava sempre no percentil 99 dos melhores, a nível nacional, mas sentia bem que estava numa competição feroz.

O meu dia, durante os primeiros cinco anos, começava às 6 da manhã e terminava às 8 da noite. De três em três dias ficava de urgência no hospital e de três em três semanas passava lá o fim de semana. Entrava na 6ª feira às 7 horas e saía na segunda-feira às 8 da noite. A minha média era de 100 a 120 horas por semana. Um dia adormeci durante uma operação, de pé. Noutro dia adormeci ao volante, na ida para casa, felizmente sem consequências.

Quando chegava a casa tinha de estudar para o dia seguinte. Todos os dias tinha aulas de 1 hora durante as quais os internos eram interrogados. A partir do terceiro ano tinha de apresentar publicamente todos os casos clínicos complicados em que tinha estado envolvido e tinha instruções claras do meu director sobre a metodologia a adoptar, não queremos ninguém a gabar-se de sucessos, estas reuniões são para discutir casos problemáticos.
Quando terminei o internato tinha efectuado cerca de 4000 intervenções cirúrgicas, tinha participado em investigação, tinha publicado artigos originais nas mais prestigiadas revista científicas e sentia-me no topo. Os meus colegas que ficaram em Portugal, no mesmo período, teriam efectuado cerca de 300 intervenções, nenhuma investigação e nenhuma publicação.

Os médicos nos EUA, mas quem diz os médicos diz quase todas as outras profissões, são treinados como atletas de alta competição. São treinados para serem os melhores do mundo. É possível efectuar esse treino sem um esforço sobre-humano? Não! E não há alternativas mais modestas? Talvez, mas todos adoramos ver um atleta correr os cem metros, por exemplo, abaixo dos 10 segundos, deliramos com a sua capacidade física e não queremos saber do esforço que o atleta fez para atingir aquela performance.

Quando chegam ao topo, os financeiros nos EUA ganham centenas de milhões de euros por ano. Claro que a competição é feroz e só uma minoria chega ao topo, mas o prémio vale a pena. Na política passa-se o mesmo, outro dia ouvi o senador Obama desabafar que não dormia desde Outubro. O esforço dos candidatos é sobre-humano? Claro que sim, mas eles consideram que vale a pena. Como dizia o Presidente Harry Truman: If you can't stand the heat, get out of the kitchen.

PS.: Zazie, não fique triste com tanto Darwinismo. No seu mundo todos ganham e todos recebem prémios, nem que sejam de consolação.

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