Algum pensamento conservador não conseguiu ainda digerir convenientemente a democracia, e confunde aquilo que deve ser primordialmente um método, com um fim em si mesmo. Evidentemente que a democracia popular não serve a liberdade. O governo ilimitado situa-se nos antípodas da visão liberal da sociedade política, pertença ele a um, a muitos ou a todos, fundamente-se na tradição, na moral, em Deus, ou no sufrágio universal.
Ao invés de algum pensamento conservador, o liberalismo não concebe um «Estado ideal», funde-se ele na pura racionalidade dos guardiães da República, ou na transcendência quase divina dos sábios da Magnésia e das suas leis. Por conseguinte, a questão dos fundamentos do poder público é, do ponto de vista liberal, sempre secundária em relação à própria idiossincrasia desse poder. Por outras palavras, o governo virtuoso não é o que dispõe de príncipes virtuosos, mas o que não ultrapassa os limites da sua actuação.
E aqui, sem dúvida, entronca a questão constitucional. Na eclosão do constitucionalismo liberal oitocentista, a ideia de «Constituição» coincidia com a de «poder controlado». Por essa razão, as constituições fundadoras são orgânicas e instrumentais. Como é sabido, as preocupações de ordem social e programática (as tais que supostamente se inspiram nos ideais do «bem comum») vieram mais tarde. Mas há que recordar que o constitucionalismo se justificou e, a meu ver, continua a justificar-se, no indivíduo, na defesa dos seus direitos, liberdades e garantias, e não propriamente em abstracções. Sejam elas o «bem comum», ou a «felicidade comum» da Declaração de 1793, às quais os modernos socialistas (eles, também, hoje, mais do que ninguém, verdadeiros «conservadores») dão agora o pomposo nome de «interesse público», através do que sempre justificam os seus permanentes abusos exercidos sobre os cidadãos e a sociedade. Por isso se dizia na Declaração de 1789, apesar de tudo preferível à de 93, que onde não estão garantidos os direitos individuais e a separação de poderes não se pode verdadeiramente falar em Constituição. Continuo a pensar que isso é, hoje ainda, o mais importante para a instituição e para o justo governo da sociedade política.
Porque é verdadeiramente isto que está em causa: um poder político controlado e controlável por via do direito e não exactamente pela vontade do príncipe, com funções que não ultrapassem as que Locke enunciou, elas mesmas veículos para a preservação da liberdade individual, único pilar sobre o qual se pode erguer uma sociedade de justiça. Nessa medida, os liberais preferem, sem qualquer hesitação, o «rule of law» à «voluntas principis suprema lex est».
De resto, se assim for, se a forma da sociedade política não exceder os limites instrumentais que justificam, segundo Locke, o abandono do «estado de natureza», não há que procurar Deus nem a moral onde apenas encontramos homens e, perdoe-se o pleonasmo, as suas humanas tentações.
Ao invés de algum pensamento conservador, o liberalismo não concebe um «Estado ideal», funde-se ele na pura racionalidade dos guardiães da República, ou na transcendência quase divina dos sábios da Magnésia e das suas leis. Por conseguinte, a questão dos fundamentos do poder público é, do ponto de vista liberal, sempre secundária em relação à própria idiossincrasia desse poder. Por outras palavras, o governo virtuoso não é o que dispõe de príncipes virtuosos, mas o que não ultrapassa os limites da sua actuação.
E aqui, sem dúvida, entronca a questão constitucional. Na eclosão do constitucionalismo liberal oitocentista, a ideia de «Constituição» coincidia com a de «poder controlado». Por essa razão, as constituições fundadoras são orgânicas e instrumentais. Como é sabido, as preocupações de ordem social e programática (as tais que supostamente se inspiram nos ideais do «bem comum») vieram mais tarde. Mas há que recordar que o constitucionalismo se justificou e, a meu ver, continua a justificar-se, no indivíduo, na defesa dos seus direitos, liberdades e garantias, e não propriamente em abstracções. Sejam elas o «bem comum», ou a «felicidade comum» da Declaração de 1793, às quais os modernos socialistas (eles, também, hoje, mais do que ninguém, verdadeiros «conservadores») dão agora o pomposo nome de «interesse público», através do que sempre justificam os seus permanentes abusos exercidos sobre os cidadãos e a sociedade. Por isso se dizia na Declaração de 1789, apesar de tudo preferível à de 93, que onde não estão garantidos os direitos individuais e a separação de poderes não se pode verdadeiramente falar em Constituição. Continuo a pensar que isso é, hoje ainda, o mais importante para a instituição e para o justo governo da sociedade política.
Porque é verdadeiramente isto que está em causa: um poder político controlado e controlável por via do direito e não exactamente pela vontade do príncipe, com funções que não ultrapassem as que Locke enunciou, elas mesmas veículos para a preservação da liberdade individual, único pilar sobre o qual se pode erguer uma sociedade de justiça. Nessa medida, os liberais preferem, sem qualquer hesitação, o «rule of law» à «voluntas principis suprema lex est».
De resto, se assim for, se a forma da sociedade política não exceder os limites instrumentais que justificam, segundo Locke, o abandono do «estado de natureza», não há que procurar Deus nem a moral onde apenas encontramos homens e, perdoe-se o pleonasmo, as suas humanas tentações.
Sem comentários:
Enviar um comentário