Friedrich Hayek (1899-1992) é certamente um autor muito importante para a história das ideias, para a economia e, sobretudo, para a filosofia do direito - e, portanto, um autor que em Portugal deveria ser estudado em todas as faculdades de direito, e logo no primeiro ano.
Na sua globalidade, porém, o pensamento de Hayek possui uma agenda, é uma ideologia - no sentido de um sistema de ideias para mudar a sociedade - e, portanto insere-se na tradição construtivista saída de Descartes e da revolução francesa e que ele próprio denunciou.
Hayek foi um combatente da guerra-fria, embora um combatente no campo das ideias. O seu inimigo principal era o socialismo em todas as suas variantes, desde a social-democracia ao comunismo, com o seu projecto de construcção de uma sociedade onde todos os homens fossem iguais, e utilizando o Estado como instrumento privilegiado.
A este projecto, Hayek contrapôs um projecto alternativo, o da Grande Sociedade como ele próprio lhe chamava. Esta era uma sociedade em que cada homem maximizava as probabilidades de atingir os fins que ele próprio se propõe na vida e utilizando a liberdade individual como o instrumento privilegiado.
Os edifícios sociais a construír são diferentes, num caso, uma sociedade onde prevalece a igualdade, no outro, uma sociedade onde prevalece a diversidade, tanto quanto ela é permitida pela variedade dos fins da vida humana. As tecnologias de construcção também são diferentes, num caso, o poder coercivo do Estado, no outro, a maximização da esfera de liberdade individual. Mas o processo é idêntico: uma sociedade ideal a construír e uma tecnologia de construcção.
Hayek não conseguiu escapar à corrente do mau racionalismo - o racionalismo construtivista -, a qual, tal como a corrente que ele considerava ser a do bom racionalismo - o racionalismo crítico -, tinha tido origem em Descartes.
Ao contrário de Hayek, Descartes nunca procurou impôr à humanidade - nem mesmo pela razão, como fez Hayek, menos ainda pela força - qualquer projecto de sociedade. Ele não produziu nenhuma ideologia - a principal fonte das tragédias da era moderna.
Pelo contrário, Descartes exprimia-se sempre na primeira pessoa do singular - e, neste aspecto, para todos os que me lêem regularmente, eu próprio sou um hipercartesiano convicto. Ele é o primeiro filósofo a exprimir-se consistente e permanentemente na primeira pessoa do singular. É aqui que, quanto a mim, reside o carácter inovador e revolucionário do cartesianismo e que me leva a preferir Descartes sobre o seu discípulo Hayek. Cartesiano por cartesiano, antes o produto genuíno.
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