11 julho 2007

toda esta tropa

Como a investigação recente tem vindo a demonstrar, o mito que o Marquês de Pombal criou e difundiu acerca dos jesuítas(1), era apenas um instrumento de luta pelo poder que visava afastar o clero de todas as posições de influência que possuía na sociedade portuguesa - em especial, na educação - e dar lugar a uma nova elite laica, burguesa, aberta à razão e à ciência, e que iria modernizar radicalmente o país.

O Marquês tudo preparou para que essa nova elite saísse da universidade de Coimbra - que ele reformou e foi a única que deixou no país - e, em particular, da sua Faculdade de Leis (mais tarde, Faculdade de Direito), de longe a mais importante e numerosa. O próprio Marquês tinha sido estudante de Direito em Coimbra. Após a reforma (1772) que, segundo o Marquês, iria "fazer Coimbra gloriosa e invejada por todas as outras universidades da Europa", ele próprio se nomeou Reformador-Visitador da universidade e a sua autoridade suprema.


Em 1776 dá-se a revolução americana que reclama o ideal de liberdade em nome de Deus (Deus é invocado cinco vezes na Declaração de Independência). No ano seguinte, morre o rei D. José, e a sua filha, a rainha D. Maria I, que entrava em transe sempre que sentia o Marquês por perto, demite-o imediatamente e pede ao reitor da universidade - D. Francisco de Melo - um relatório sobre os cinco anos da reforma da universidade.


O relatório viria a revelar a massa de que se faria a futura elite do país - uma elite que eu próprio tenho designado por os filhos do Marquês. Lamentando que a reforma tenha diminuido drasticamente o número de alunos em todas as Faculdades - na realidade, havia Faculdades que praticamente não tinham alunos -, o reitor salienta o caso da Faculdade de Direito, tradicionalmente a mais numerosa, onde os estudantes "passavam de três mil e agora não chegarão a quinhentos". Considerava ele, porém, que era preferível assim, pois o número dos que anteriormente se formavam em leis era claramente excessivo face às necessidades do país e causador de muitas perturbações: "toda esta tropa de formados saía da Universidade a levantar e acender (discórdias) nas Cidades, nas Vilas e nos Lugares" (2).


Em 1782 morre o Marquês. Em 1789 dá-se a revolução francesa afirmando os valores da liberdade, da fraternidade e da igualdade - a concepção moderna de liberdade democrática - uma liberdade que é reclamada, não em nome Deus, mas em nome do povo.


Em 1820 Portugal acabaria finalmente por ter a sua própria versão da revolução francesa - a revolução liberal. A nova elite - toda esta tropa - iria agora assumir a liderança do país.


(1) José Eduardo Franco, O Mito dos Jesuítas, Lisboa: Gradiva, 2006.
(2) Rómulo de Carvalho, História do Ensino em Portugal, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985, p. 499.

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