1. O dr. Manuel Monteiro apresentou ao país, na sua qualidade de presidente do Partido da Nova Democracia, um documento que pretende ser o ponto de partida para uma refundação da direita portuguesa, ao qual deu o nome de «Um Manifesto da Direita em Portugal».
Independentemente das habituais questões de natureza partidária e pessoal que sempre acompanham este género de situações, às quais, por menoridade, não prestaremos atenção, o «Manifesto» apresenta-se com o objectivo de ser o ponto de partida para organizar «uma verdadeira alternativa de Direita», e gira em torno de «um conjunto de meia-dúzia de questões muito claras, expostas em linguagem que se pretende muito simples». Em tempos de, segundo consta, refundação da direita portuguesa, em que todas as contribuições devem ser bem-vindas, o documento merece necessariamente atenção. Passemos, então, à sua análise.
2. Comecemos pelo título - «Um Manifesto da Direita em Portugal», que é equívoco ou, pelo menos, bastante ambíguo. Na verdade, se, por hipótese, «Um Manifesto da Direita Portuguesa» pecaria por excesso e não teria nunca, se apenas apresentado pelo dr. Manuel Monteiro, correspondência com a realidade, o título escolhido sugere que a direita se manifestou em Portugal, como o poderia ter feito noutra parte qualquer do mundo. Não se percebe, portanto, que direita é essa: se a direita portuguesa, se parte dela, se a que se reuniu no PND, ou se uma agremiação de militantes de uma qualquer força de direita internacionalista que ia a passar por cá (se calhar em férias) e resolveu fazer aqui o documento. Julgo que a intenção do seu conteúdo exigiria um título do género: «Para uma Direita Nova em Portugal», ou simplesmente «Para uma Direita Portuguesa», já que os autores do documento entendem que, em Portugal, «se repararmos bem, não há Direita: salta-se directamente, na actual organização do pensamento político, do centro-esquerda (ou de um centro-direita que, na prática, é um centro-esquerda) para a extrema-direita». Ideia que é, diga-se de passagem, um tanto ou quanto arrojada.
3. Do ponto de vista formal, o «Manifesto» apresenta alguns descuidos, reveladores da provável pressa com que foi feito, mas que, atendendo à importância que os seus autores lhe atribuem, mereceria melhor cuidado. Assim, ao longo do texto repetem-se a pretensão de «refundar a direita», de criar uma «Direita moderna» em contraponto a uma «velha Direita», a exigência de «separar as águas, para que elas possam ser claras», etc.. Estamos, por ora, no plano das puras intenções, do dever ser, que revelam, contudo, um dos tiques mais preocupantes da direita não-liberal: o voluntarismo e o construtivismo político e social. Ele atravessa, de resto, todo o documento e é provavelmente a sua maior fragilidade. É que, na verdade, a direita portuguesa não é o que é por alguém a ter feito assim (ao invés do que afirmam os autores do documento, que imputam essa responsabilidade aos fundadores revolucionários da III República), mas por se ter feito assim, ou, na mais benevolente das possibilidades, se ter deixado fazer assim. Por outro lado, a realidade não se transforma por golpes de vontade, perpetrados por líderes enérgicos, mas pela evolução natural das coisas, dos actos das pessoas e dos seus comportamentos quotidianos, da reacção das instituições, etc. Ou seja: as coisas podem aparentemente mudar por decreto, mas não se transformam verdadeiramente nessa mudança. Na maior parte das vezes, pioram e agravam os seus males. Com a direita portuguesa, ou com outra direita qualquer, as coisas são o que são e não aquilo que nós imaginamos que elas possam vir a ser.
4. Quanto à substância do «Manifesto», ela desdobra-se em três partes, a saber: a) uma interpretação histórica da evolução da direita portuguesa na III República; b) a exposição de um conjunto de princípios que devem inspirar uma «direita moderna» (sempre e sempre esta necessidade de «modernidade») contrapondo-a a uma «velha direita»; e c) algumas sugestões supostamente operativas, para transformar o regime político actual. Analisemo-las.
a) O «Manifesto» sugere que a direita portuguesa padece de um pecado original que lhe foi imposto no 25 de Abril, pelo facto do regime ter nascido à esquerda e se ter tentado perpetuar, à esquerda, na Constituição. Ora, se isso é parcialmente verdadeiro, só em parte o é, como muito bem afirmaria o Sr. de La Palice. Porque e apesar dos traumas que a direita possa ter tido no 25 de Abril e das vicissitudes que levaram ao surgimento do CDS e impediram que outras forças políticas de direita pudessem singrar (o Partido do Progresso e o Partido da Democracia Cristã, por exemplo), a verdade é que trinta anos é tempo mais do que suficiente para que as coisas se possam modificar. Por outro lado, apesar dos inegáveis trejeitos socialistas do nosso actual texto constitucional, ele em nada inibe que surjam forças de direita diferentes das que existem. Coisa diferente é, de facto, uma vez no poder a direita poder «transformar» a Constituição como entender, eventualmente de modo mais favorável ao seu modo de governação. Mas isso nada tem a ver com a natureza intrínseca da direita portuguesa. O que eventualmente os autores do «Manifesto» poderiam ter dito é que a nossa direita manteve-se igual antes e depois do 25 de Abril, tendo evoluído naturalmente a partir dessa origem. E valeria a pena, depois, reflectir seriamente porque é que as coisas foram e são assim.
Por outro lado e ainda em sede dos pressupostos para a necessidade da transformação da direita, o «Manifesto» conclui que vivemos em Portugal sob o «jugo» de uma «ditadura intelectual» da esquerda marxista. Ora este preconceito tinha alguma razão de ser há cerca de vinte anos atrás, quando a esquerda dominava os meios intelectuais e a cultura não só em Portugal, mas na Europa e no Mundo. Algumas reacções nesse tempo (em que, por exemplo, a «Nova Direita» francesa desempenhou papel de mérito) e a própria inconsistência intelectual da maior parte da esquerda europeia, chegaram para se poder dizer, de há muito, que a inovação, a cultura e o melhor do pensamento político poderão estar em muito lado, mas não estarão seguramente à esquerda. Bastará, por exemplo, passar os olhos pelos blogs políticos nacionais, para se ter disso uma noção exacta.
b) Os princípios propostos para a pretendida «direita moderna» são francamente muito frouxos e pertencem ao património mais ou menos comum a todo o pensamento politicamente correcto da actualidade. Ideias como a necessidade de «um Estado mínimo, ágil e forte» (uma associação, aliás, para os liberais, muito perigosa), «o Direito fundamental da Propriedade Privada», «o Direito fundamental da Liberdade Contratual», «o Homem como princípio e fim da actividade política», ou afirmações como «A Nação surge, para nós, como quadro de referência à acção do Homem», fazem parte de todos os ideários democratas-cristãos, conservadores e social-democratas do nosso tempo. Isto é, do grande centrão, do qual os autores do «Manifesto» querem retirar a direita portuguesa. Assim, manifestamente, não vão lá.
c) No que respeita às funcionalidades, isto é, às propostas concretas para transformar a direita, a ambição também não foi muito além do banal. Desde logo, não se distingue com clareza o que possa ser a agenda política da tal «direita moderna», do que eventualmente seriam alguns pontos de um programa governativo dessa direita. É que, como parece evidente, são coisas diferentes, em relação às quais há que ter alguma prudência. Convém mesmo não dar passos maiores do que o comprimento das pernas, sob a ameaça do ridículo. Mas, admitindo que a diferença entre a «mundovisão» desta «direita moderna» e a sua acção governativa não existisse e que ambas pudessem ser simetricamente concêntricas, há coisas preocupantes no «Manifesto», pelo menos para quem desejar preservar uma consciência liberal sólida. Nomeadamente, a visão que o documento transmite sobre aquilo que acha dever ser um «Estado mínimo». Atenda-se, por exemplo, às seguintes afirmações: «Ao Estado, através de um conjunto de competências que lhe é outorgado pelos cidadãos, compete definir as regras da vida em comunidade, aplicá-las e vigiar para que sejam cumpridas»; «É ao Estado, tal qual o caracterizamos no ponto que se segue, que compete criar esta nação preparada para a necessária abertura ao mundo»; «uma Direita moderna propõe um modelo de Estado que, no essencial, funcione como árbitro entre os cidadãos, cumpra as funções, e só essas, que os cidadãos não possam cumprir na esfera privada, apoie, permitindo uma vida digna, os cidadãos que, de facto, necessitam de apoio». Tais afirmações, ainda que contraditadas pela intenção de pugnar pelo tal «Estado mínimo», são, obviamente, muito estatizantes e, por que não dizê-lo, próprias de uma direita tradicional, muito antiga e nada moderna.
5. Sobre a verdadeira mentalidade da direita portuguesa, atenda-se aos seguintes excertos de um discurso de um conhecido estadista: «Impelimos o Estado, primeiro para a passividade absoluta, que nada tinha a ver com a organização da economia nacional, e depois para o intervencionismo absorvente, regulando ele a produção, a repartição, o consumo das riquezas. Sempre que o fez, esterilizou as iniciativas, agravou desmedidamente as despesas e os impostos, diminuiu a produção, delapidou grandes somas de riqueza privada, restringiu a liberdade individual, tornou-se pesado, insuportável inimigo da Nação» (...) «Contra todas as claras lições da experiência entendem muitos que há-de o Estado alargar as suas funções económicas, organizando ele próprio a produção e com esta a repartição da riqueza. (...) Mas, exceptuados os momentos em que se hajam de salvar do melhor modo possível os maiores valores da economia nacional, arrastados pelo encadeamento dos desequilíbrios que as crises provocam, as funções do Estado devem ser muito mais limitadas e essencialmente diferentes» (...) «Normalmente o Estado deve tomar sobre si a protecção e a direcção superior da economia nacional pela defesa externa, pela paz pública, pela administração da justiça, pela criação das condições económicas e sociais da produção (...)».
No essencial, este conjunto de ideias está bem patente no «Um Manifesto da Direita em Portugal», como estão profundamente entrosadas, diga-se em abono da verdade, na mentalidade de toda a direita portuguesa: um Estado limitado, mas «ágil e forte» nas suas «funções soberanas (...), a saber, as da «Justiça, Segurança, Defesa e Política Externa»; mantendo com o «estatuto de mera residualidade», «exclusivamente assumidas quando a sociedade civil não manifestar interesse na sua prestação», funções na «Cultura, Educação, Saúde e Segurança Social».
Diga-se que o citado discurso é do prof. António de Oliveira Salazar e foi proferido em 16 de Março de 1933, na sede da União Nacional.
6. O mal da direita portuguesa, da velha, da muito velha, da menos velha e da actual, foi sempre o seu imenso fascínio pelo Estado. O documento do Partido da Nova Democracia não o disfarça. Infelizmente e enquanto não aprender a pensar para além e por cima do Estado, não teremos em Portugal uma direita verdadeiramente liberal. Nem com este «Manifesto» nem com outro qualquer.
Independentemente das habituais questões de natureza partidária e pessoal que sempre acompanham este género de situações, às quais, por menoridade, não prestaremos atenção, o «Manifesto» apresenta-se com o objectivo de ser o ponto de partida para organizar «uma verdadeira alternativa de Direita», e gira em torno de «um conjunto de meia-dúzia de questões muito claras, expostas em linguagem que se pretende muito simples». Em tempos de, segundo consta, refundação da direita portuguesa, em que todas as contribuições devem ser bem-vindas, o documento merece necessariamente atenção. Passemos, então, à sua análise.
2. Comecemos pelo título - «Um Manifesto da Direita em Portugal», que é equívoco ou, pelo menos, bastante ambíguo. Na verdade, se, por hipótese, «Um Manifesto da Direita Portuguesa» pecaria por excesso e não teria nunca, se apenas apresentado pelo dr. Manuel Monteiro, correspondência com a realidade, o título escolhido sugere que a direita se manifestou em Portugal, como o poderia ter feito noutra parte qualquer do mundo. Não se percebe, portanto, que direita é essa: se a direita portuguesa, se parte dela, se a que se reuniu no PND, ou se uma agremiação de militantes de uma qualquer força de direita internacionalista que ia a passar por cá (se calhar em férias) e resolveu fazer aqui o documento. Julgo que a intenção do seu conteúdo exigiria um título do género: «Para uma Direita Nova em Portugal», ou simplesmente «Para uma Direita Portuguesa», já que os autores do documento entendem que, em Portugal, «se repararmos bem, não há Direita: salta-se directamente, na actual organização do pensamento político, do centro-esquerda (ou de um centro-direita que, na prática, é um centro-esquerda) para a extrema-direita». Ideia que é, diga-se de passagem, um tanto ou quanto arrojada.
3. Do ponto de vista formal, o «Manifesto» apresenta alguns descuidos, reveladores da provável pressa com que foi feito, mas que, atendendo à importância que os seus autores lhe atribuem, mereceria melhor cuidado. Assim, ao longo do texto repetem-se a pretensão de «refundar a direita», de criar uma «Direita moderna» em contraponto a uma «velha Direita», a exigência de «separar as águas, para que elas possam ser claras», etc.. Estamos, por ora, no plano das puras intenções, do dever ser, que revelam, contudo, um dos tiques mais preocupantes da direita não-liberal: o voluntarismo e o construtivismo político e social. Ele atravessa, de resto, todo o documento e é provavelmente a sua maior fragilidade. É que, na verdade, a direita portuguesa não é o que é por alguém a ter feito assim (ao invés do que afirmam os autores do documento, que imputam essa responsabilidade aos fundadores revolucionários da III República), mas por se ter feito assim, ou, na mais benevolente das possibilidades, se ter deixado fazer assim. Por outro lado, a realidade não se transforma por golpes de vontade, perpetrados por líderes enérgicos, mas pela evolução natural das coisas, dos actos das pessoas e dos seus comportamentos quotidianos, da reacção das instituições, etc. Ou seja: as coisas podem aparentemente mudar por decreto, mas não se transformam verdadeiramente nessa mudança. Na maior parte das vezes, pioram e agravam os seus males. Com a direita portuguesa, ou com outra direita qualquer, as coisas são o que são e não aquilo que nós imaginamos que elas possam vir a ser.
4. Quanto à substância do «Manifesto», ela desdobra-se em três partes, a saber: a) uma interpretação histórica da evolução da direita portuguesa na III República; b) a exposição de um conjunto de princípios que devem inspirar uma «direita moderna» (sempre e sempre esta necessidade de «modernidade») contrapondo-a a uma «velha direita»; e c) algumas sugestões supostamente operativas, para transformar o regime político actual. Analisemo-las.
a) O «Manifesto» sugere que a direita portuguesa padece de um pecado original que lhe foi imposto no 25 de Abril, pelo facto do regime ter nascido à esquerda e se ter tentado perpetuar, à esquerda, na Constituição. Ora, se isso é parcialmente verdadeiro, só em parte o é, como muito bem afirmaria o Sr. de La Palice. Porque e apesar dos traumas que a direita possa ter tido no 25 de Abril e das vicissitudes que levaram ao surgimento do CDS e impediram que outras forças políticas de direita pudessem singrar (o Partido do Progresso e o Partido da Democracia Cristã, por exemplo), a verdade é que trinta anos é tempo mais do que suficiente para que as coisas se possam modificar. Por outro lado, apesar dos inegáveis trejeitos socialistas do nosso actual texto constitucional, ele em nada inibe que surjam forças de direita diferentes das que existem. Coisa diferente é, de facto, uma vez no poder a direita poder «transformar» a Constituição como entender, eventualmente de modo mais favorável ao seu modo de governação. Mas isso nada tem a ver com a natureza intrínseca da direita portuguesa. O que eventualmente os autores do «Manifesto» poderiam ter dito é que a nossa direita manteve-se igual antes e depois do 25 de Abril, tendo evoluído naturalmente a partir dessa origem. E valeria a pena, depois, reflectir seriamente porque é que as coisas foram e são assim.
Por outro lado e ainda em sede dos pressupostos para a necessidade da transformação da direita, o «Manifesto» conclui que vivemos em Portugal sob o «jugo» de uma «ditadura intelectual» da esquerda marxista. Ora este preconceito tinha alguma razão de ser há cerca de vinte anos atrás, quando a esquerda dominava os meios intelectuais e a cultura não só em Portugal, mas na Europa e no Mundo. Algumas reacções nesse tempo (em que, por exemplo, a «Nova Direita» francesa desempenhou papel de mérito) e a própria inconsistência intelectual da maior parte da esquerda europeia, chegaram para se poder dizer, de há muito, que a inovação, a cultura e o melhor do pensamento político poderão estar em muito lado, mas não estarão seguramente à esquerda. Bastará, por exemplo, passar os olhos pelos blogs políticos nacionais, para se ter disso uma noção exacta.
b) Os princípios propostos para a pretendida «direita moderna» são francamente muito frouxos e pertencem ao património mais ou menos comum a todo o pensamento politicamente correcto da actualidade. Ideias como a necessidade de «um Estado mínimo, ágil e forte» (uma associação, aliás, para os liberais, muito perigosa), «o Direito fundamental da Propriedade Privada», «o Direito fundamental da Liberdade Contratual», «o Homem como princípio e fim da actividade política», ou afirmações como «A Nação surge, para nós, como quadro de referência à acção do Homem», fazem parte de todos os ideários democratas-cristãos, conservadores e social-democratas do nosso tempo. Isto é, do grande centrão, do qual os autores do «Manifesto» querem retirar a direita portuguesa. Assim, manifestamente, não vão lá.
c) No que respeita às funcionalidades, isto é, às propostas concretas para transformar a direita, a ambição também não foi muito além do banal. Desde logo, não se distingue com clareza o que possa ser a agenda política da tal «direita moderna», do que eventualmente seriam alguns pontos de um programa governativo dessa direita. É que, como parece evidente, são coisas diferentes, em relação às quais há que ter alguma prudência. Convém mesmo não dar passos maiores do que o comprimento das pernas, sob a ameaça do ridículo. Mas, admitindo que a diferença entre a «mundovisão» desta «direita moderna» e a sua acção governativa não existisse e que ambas pudessem ser simetricamente concêntricas, há coisas preocupantes no «Manifesto», pelo menos para quem desejar preservar uma consciência liberal sólida. Nomeadamente, a visão que o documento transmite sobre aquilo que acha dever ser um «Estado mínimo». Atenda-se, por exemplo, às seguintes afirmações: «Ao Estado, através de um conjunto de competências que lhe é outorgado pelos cidadãos, compete definir as regras da vida em comunidade, aplicá-las e vigiar para que sejam cumpridas»; «É ao Estado, tal qual o caracterizamos no ponto que se segue, que compete criar esta nação preparada para a necessária abertura ao mundo»; «uma Direita moderna propõe um modelo de Estado que, no essencial, funcione como árbitro entre os cidadãos, cumpra as funções, e só essas, que os cidadãos não possam cumprir na esfera privada, apoie, permitindo uma vida digna, os cidadãos que, de facto, necessitam de apoio». Tais afirmações, ainda que contraditadas pela intenção de pugnar pelo tal «Estado mínimo», são, obviamente, muito estatizantes e, por que não dizê-lo, próprias de uma direita tradicional, muito antiga e nada moderna.
5. Sobre a verdadeira mentalidade da direita portuguesa, atenda-se aos seguintes excertos de um discurso de um conhecido estadista: «Impelimos o Estado, primeiro para a passividade absoluta, que nada tinha a ver com a organização da economia nacional, e depois para o intervencionismo absorvente, regulando ele a produção, a repartição, o consumo das riquezas. Sempre que o fez, esterilizou as iniciativas, agravou desmedidamente as despesas e os impostos, diminuiu a produção, delapidou grandes somas de riqueza privada, restringiu a liberdade individual, tornou-se pesado, insuportável inimigo da Nação» (...) «Contra todas as claras lições da experiência entendem muitos que há-de o Estado alargar as suas funções económicas, organizando ele próprio a produção e com esta a repartição da riqueza. (...) Mas, exceptuados os momentos em que se hajam de salvar do melhor modo possível os maiores valores da economia nacional, arrastados pelo encadeamento dos desequilíbrios que as crises provocam, as funções do Estado devem ser muito mais limitadas e essencialmente diferentes» (...) «Normalmente o Estado deve tomar sobre si a protecção e a direcção superior da economia nacional pela defesa externa, pela paz pública, pela administração da justiça, pela criação das condições económicas e sociais da produção (...)».
No essencial, este conjunto de ideias está bem patente no «Um Manifesto da Direita em Portugal», como estão profundamente entrosadas, diga-se em abono da verdade, na mentalidade de toda a direita portuguesa: um Estado limitado, mas «ágil e forte» nas suas «funções soberanas (...), a saber, as da «Justiça, Segurança, Defesa e Política Externa»; mantendo com o «estatuto de mera residualidade», «exclusivamente assumidas quando a sociedade civil não manifestar interesse na sua prestação», funções na «Cultura, Educação, Saúde e Segurança Social».
Diga-se que o citado discurso é do prof. António de Oliveira Salazar e foi proferido em 16 de Março de 1933, na sede da União Nacional.
6. O mal da direita portuguesa, da velha, da muito velha, da menos velha e da actual, foi sempre o seu imenso fascínio pelo Estado. O documento do Partido da Nova Democracia não o disfarça. Infelizmente e enquanto não aprender a pensar para além e por cima do Estado, não teremos em Portugal uma direita verdadeiramente liberal. Nem com este «Manifesto» nem com outro qualquer.
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