Apenas uma coisa está verdadeiramente em causa na actual crise nuclear do Irão: saber se continuamos a viver num mundo de soberanias estaduais ilimitadas ou não.
Efectivamente, o modelo soberanista sobre o qual se ergueu a sociedade internacional dos Estados assentava, pelo menos desde o século XVI, nos cinco marcos do poder estadual definidos por Jean Bodin (por ironia, o primeiro tratadista da soberania estadual foi, também, um erudito conhecedor da demonologia...). Entre eles, caracterizando a chamada «soberania externa», o direito de fazer a paz e a guerra. Neste particular aspecto, não podia haver transigência possível: só era soberano o Estado que pudesse declarar guerra a um outro, e aquele que não tivesse essa capacidade não era um Estado verdadeiro.
Até à eclosão da I Guerra Mundial, estes assuntos dificilmente ultrapassavam o foro íntimo da vizinhança ou, no máximo, de um espaço regional mais ou menos alargado. O conflito de catorze-dezoito, intencionalmente classificado como a «primeira guerra mundial», fez perceber que o ius belli passara a ser um assunto de todos e não somente das partes directamente envolvidas. A guerra de 1939-45 agravou essa convicção e o mundo bipolar da era soviética transformou-a numa temível certeza.###
O fim da União Soviética originou uma pluralidade incontável de poderes, com capacidade de se tornarem uma ameaça à escala global, sob o manto enganador do monopólio geopolítico americano. Ao contrário do que alguém disse na sequência do desaparecimento do Império Vermelho, o mundo não estava exclusivamente sob a pax americana, como ficara sob a pax romana após a terceira guerra púnica.
O programa nuclear do Irão demonstra-o bem. Não vale a pena repetir aqui os argumentos invocados à exaustão sobre a insegurança, as consequências, os perigos, as ameaças que um tal poder concentrado nas mãos de um Estado clerical e dirigido por gente muito pouco tolerante poderia provocar. Coloquemos o problema de outro modo: devemos continuar a aceitar o princípio bodiniano da soberania absoluta dos Estados, ou, pelo contrário, denunciamo-la como impraticável num mundo onde as consequências dos actos de guerra são ilimitadas?
Neste último caso, há que responder a uma questão: quem determinará os limites do poder externo dos Estados e quem deverá aplicar as sanções preventivas e repressivas pela sua violação? A hipocrisia reinante vira-se para a ONU e para um direito internacional público sedimentado durante a guerra-fria. Mas todos sabemos que só há que aceitar ou enjeitar a hegemonia americana. E isso é, em última análise, o que divide a comunidade internacional no caso do Irão.
Efectivamente, o modelo soberanista sobre o qual se ergueu a sociedade internacional dos Estados assentava, pelo menos desde o século XVI, nos cinco marcos do poder estadual definidos por Jean Bodin (por ironia, o primeiro tratadista da soberania estadual foi, também, um erudito conhecedor da demonologia...). Entre eles, caracterizando a chamada «soberania externa», o direito de fazer a paz e a guerra. Neste particular aspecto, não podia haver transigência possível: só era soberano o Estado que pudesse declarar guerra a um outro, e aquele que não tivesse essa capacidade não era um Estado verdadeiro.
Até à eclosão da I Guerra Mundial, estes assuntos dificilmente ultrapassavam o foro íntimo da vizinhança ou, no máximo, de um espaço regional mais ou menos alargado. O conflito de catorze-dezoito, intencionalmente classificado como a «primeira guerra mundial», fez perceber que o ius belli passara a ser um assunto de todos e não somente das partes directamente envolvidas. A guerra de 1939-45 agravou essa convicção e o mundo bipolar da era soviética transformou-a numa temível certeza.###
O fim da União Soviética originou uma pluralidade incontável de poderes, com capacidade de se tornarem uma ameaça à escala global, sob o manto enganador do monopólio geopolítico americano. Ao contrário do que alguém disse na sequência do desaparecimento do Império Vermelho, o mundo não estava exclusivamente sob a pax americana, como ficara sob a pax romana após a terceira guerra púnica.
O programa nuclear do Irão demonstra-o bem. Não vale a pena repetir aqui os argumentos invocados à exaustão sobre a insegurança, as consequências, os perigos, as ameaças que um tal poder concentrado nas mãos de um Estado clerical e dirigido por gente muito pouco tolerante poderia provocar. Coloquemos o problema de outro modo: devemos continuar a aceitar o princípio bodiniano da soberania absoluta dos Estados, ou, pelo contrário, denunciamo-la como impraticável num mundo onde as consequências dos actos de guerra são ilimitadas?
Neste último caso, há que responder a uma questão: quem determinará os limites do poder externo dos Estados e quem deverá aplicar as sanções preventivas e repressivas pela sua violação? A hipocrisia reinante vira-se para a ONU e para um direito internacional público sedimentado durante a guerra-fria. Mas todos sabemos que só há que aceitar ou enjeitar a hegemonia americana. E isso é, em última análise, o que divide a comunidade internacional no caso do Irão.
1 comentário:
Um belo ponto de partida para uma reflexão sobre o que"está verdadeiramente em causa".
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