O debate sobre o conceito, ou os conceitos, de direita e das várias direitas dá sempre pano para mangas e azo a animadas discussões. Curiosamente, à esquerda, a discussão ideológica não é tão acesa ou, pelo menos, não transparece com tanta intensidade para o exterior, o que já é uma primeira lição que a direita deveria saber aproveitar e não aproveita.
Desta vez, o CAA e o RAF resolveram situar a linha de fronteira na questão religiosa, o que é um mau princípio político. Desde logo, porque a direita nunca expressou uma posição uniforme sobre a religião: existem direitas confessionais, mais ou menos laicas e mais ou menos clericais; como existem direitas não confessionais, pagãs e ateias.
No grupo das direitas confessionais ou que, de algum modo, fazem reverter alguns princípios da doutrina religiosa na sua doutrina política, encontramos uma tradição cristã nuclear, mas que é diferente de caso para caso. Assim, tivemos experiências autocráticas e ditatoriais influenciadas pela religião católica e pela doutrina cristã mais conservadora, como a de Charles Maurras, como sucedeu no salazarismo e no franquismo. Nas direitas democráticas encontramos, também, um pouco de tudo, sendo embora a tradição da democracia-cristã a mais influente, nomeadamente, em Itália e na Alemanha. Só que, provavelmente, o cristianismo de cada uma dessas duas experiências, ambas muito marcantes no pós-1945 e até à década de 90, não é o mesmo: em Itália, a influência católica é dominante, enquanto que na Alemanha a tradição luterana e protestante prevaleceu sempre na CDU. O que, em política, pode ter (e teve) consequências muito distintas.
Mas existem também direitas (embora, muitas vezes se possa discutir a propriedade do termo, esta é a sua qualificação mais corrente, pelo que a deveremos utilizar) que não reclamam a mais breve influência do cristianismo, mesmo até de qualquer forma de expressão religiosa: o nazismo foi uma manifestação contemporânea de paganismo anticristão e a «Nova Direita» de criação francesa ainda o é. Quando, há para aí uns bons vinte anos, se traduziu e editou em Portugal a obra de referência de Alain de Benoist, o «Vu de Droite», o editor português negociou com o autor a não inclusão do último capítulo, precisamente para evitar melindrar algumas consciências católicas mais sensíveis. Na tradição evoliana, que a Nova Direita segue de perto, o cristianismo, na melhor das hipóteses, não conta, ou é sujeito a uma interpretação esotérica que o descaracteriza totalmente se comparado com o cristianismo revelado. Para outros, ele foi mesmo um factor de degenerescência do Ocidente e da cultura europeia, à qual uma certa direita guarda suposta fidelidade.
Por outro lado, o facto das direitas serem ou não influenciadas pela religião, não garante a mesma posição sobre a natureza laica ou clerical do Estado. Salazar era maurrasiano e, contudo, deixou sempre o Cardeal Cerejeira a uma respeitável distância dos negócios públicos. Já Franco saiu do pretorianismo militar e, contudo, deixou à Igreja de Espanha uma margem de manobra muito mais ampla no Estado espanhol, de que a Opus Dei foi certamente a mais bem sucedida de todas as influências.
Por mim, que cada vez mais me considero essencialmente liberal e só (muito) acessoriamente de direita, julgo que a política deve ser neutra perante a religião. Se, por princípio, o liberalismo invoca a redução máxima do domínio público, a religião e as suas formas de estruturação social serão certamente matéria de natureza privada ou até mesmo íntima. Na vida privada, o que cada um, à esquerda ou à direita, faz com o credo em que acredita, a religião que segue, os cilícios que usa ou não, é matéria do mais absoluto foro íntimo, em relação à qual a política nada tem que, ou deve, dizer.
Não se ignora, porém, sob pena de ingenuidade, que as igrejas e os seus grupos internos possam constituir poderes reais e expressivos na sociedade, ao ponto de tentarem influenciar o domínio público. Também aqui, os termos do problema são invariavelmente mal colocados e denunciam a enorme atracção que a direita (até mesmo a que se considera liberal) tem pelo Estado. Nesta matéria, um liberal deverá «somente» pugnar por dois aspectos: a existência da livre concorrência entre religiões e igrejas, isto é, a garantia de um mercado religioso livre e incondicionado; e a não ingerência do Estado e dos poderes públicos na vida das igrejas. Já a influência destas sobre o Estado é, infelizmente, um mal inevitável. Como o é a influência dos clubes de futebol, dos media, das associações patronais e sindicais, isto é, de todo o tipo de interesses privados organizados, cuja satisfação dependa do governo e, sensu lato, do Estado. Mais uma vez, também aqui não podemos contrariar a humanidade, senão regressando aos postulados clássicos do liberalismo: essa influência será tanto maior, quanto maiores forem as funções e as competências do Estado. Razão para, muito liberalmente, as exigir diminutas, ou mesmo até inexistentes.
Desta vez, o CAA e o RAF resolveram situar a linha de fronteira na questão religiosa, o que é um mau princípio político. Desde logo, porque a direita nunca expressou uma posição uniforme sobre a religião: existem direitas confessionais, mais ou menos laicas e mais ou menos clericais; como existem direitas não confessionais, pagãs e ateias.
No grupo das direitas confessionais ou que, de algum modo, fazem reverter alguns princípios da doutrina religiosa na sua doutrina política, encontramos uma tradição cristã nuclear, mas que é diferente de caso para caso. Assim, tivemos experiências autocráticas e ditatoriais influenciadas pela religião católica e pela doutrina cristã mais conservadora, como a de Charles Maurras, como sucedeu no salazarismo e no franquismo. Nas direitas democráticas encontramos, também, um pouco de tudo, sendo embora a tradição da democracia-cristã a mais influente, nomeadamente, em Itália e na Alemanha. Só que, provavelmente, o cristianismo de cada uma dessas duas experiências, ambas muito marcantes no pós-1945 e até à década de 90, não é o mesmo: em Itália, a influência católica é dominante, enquanto que na Alemanha a tradição luterana e protestante prevaleceu sempre na CDU. O que, em política, pode ter (e teve) consequências muito distintas.
Mas existem também direitas (embora, muitas vezes se possa discutir a propriedade do termo, esta é a sua qualificação mais corrente, pelo que a deveremos utilizar) que não reclamam a mais breve influência do cristianismo, mesmo até de qualquer forma de expressão religiosa: o nazismo foi uma manifestação contemporânea de paganismo anticristão e a «Nova Direita» de criação francesa ainda o é. Quando, há para aí uns bons vinte anos, se traduziu e editou em Portugal a obra de referência de Alain de Benoist, o «Vu de Droite», o editor português negociou com o autor a não inclusão do último capítulo, precisamente para evitar melindrar algumas consciências católicas mais sensíveis. Na tradição evoliana, que a Nova Direita segue de perto, o cristianismo, na melhor das hipóteses, não conta, ou é sujeito a uma interpretação esotérica que o descaracteriza totalmente se comparado com o cristianismo revelado. Para outros, ele foi mesmo um factor de degenerescência do Ocidente e da cultura europeia, à qual uma certa direita guarda suposta fidelidade.
Por outro lado, o facto das direitas serem ou não influenciadas pela religião, não garante a mesma posição sobre a natureza laica ou clerical do Estado. Salazar era maurrasiano e, contudo, deixou sempre o Cardeal Cerejeira a uma respeitável distância dos negócios públicos. Já Franco saiu do pretorianismo militar e, contudo, deixou à Igreja de Espanha uma margem de manobra muito mais ampla no Estado espanhol, de que a Opus Dei foi certamente a mais bem sucedida de todas as influências.
Por mim, que cada vez mais me considero essencialmente liberal e só (muito) acessoriamente de direita, julgo que a política deve ser neutra perante a religião. Se, por princípio, o liberalismo invoca a redução máxima do domínio público, a religião e as suas formas de estruturação social serão certamente matéria de natureza privada ou até mesmo íntima. Na vida privada, o que cada um, à esquerda ou à direita, faz com o credo em que acredita, a religião que segue, os cilícios que usa ou não, é matéria do mais absoluto foro íntimo, em relação à qual a política nada tem que, ou deve, dizer.
Não se ignora, porém, sob pena de ingenuidade, que as igrejas e os seus grupos internos possam constituir poderes reais e expressivos na sociedade, ao ponto de tentarem influenciar o domínio público. Também aqui, os termos do problema são invariavelmente mal colocados e denunciam a enorme atracção que a direita (até mesmo a que se considera liberal) tem pelo Estado. Nesta matéria, um liberal deverá «somente» pugnar por dois aspectos: a existência da livre concorrência entre religiões e igrejas, isto é, a garantia de um mercado religioso livre e incondicionado; e a não ingerência do Estado e dos poderes públicos na vida das igrejas. Já a influência destas sobre o Estado é, infelizmente, um mal inevitável. Como o é a influência dos clubes de futebol, dos media, das associações patronais e sindicais, isto é, de todo o tipo de interesses privados organizados, cuja satisfação dependa do governo e, sensu lato, do Estado. Mais uma vez, também aqui não podemos contrariar a humanidade, senão regressando aos postulados clássicos do liberalismo: essa influência será tanto maior, quanto maiores forem as funções e as competências do Estado. Razão para, muito liberalmente, as exigir diminutas, ou mesmo até inexistentes.
1 comentário:
Concordo,completamente,que a religião que cada pessoa professa,e o modo como a pratica,ou não,é do foro exclusivamente privado.Esse é um domínio da nossa vida,como muitos outros,aliàs,em que a única regra só pode ser a liberdade total!
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