19 janeiro 2006

o problema da união europeia

Começa a resultar evidente a inoperacionalidade da União Europeia, desde que se consumou o mega-alargamento a mais dez Estados. Se a quinze os consensos necessários para a adopção das grandes decisões eram manifestamente difíceis, lentos e, por vezes, desadequados, a vinte e cinco a União não conseguiu tomar ainda qualquer decisão de fundo, que não fosse a de não decidir sobre questões essenciais para o seu futuro. A saber, o Tratado Constitucional e o Orçamento. Com a entrada da Bulgária e da Roménia, em 1 de Janeiro de 2007, a União passará a vinte e sete membros, prevendo-se, obviamente, o agravamento do funcionamento da sua vida interna.
Tendo a exacta consciência da dificuldade em compatibilizar o alargamento comunitário a novos países com a agilidade necessária dos seus processos de decisão, os Estados-membros promoveram a reforma de Nice que foi, de imediato, considerada insuficiente. Por essa razão, na própria cimeira que aprovou aquele Tratado foi aprovada uma declaração que determinava a realização de uma revisão profunda dos procedimentos institucionais da União, a tempo do novo alargamento. Daí resultou o Tratado Constitucional.
Que as regras de Nice não chegam, está demonstrado à exaustão. É com elas de a União tem vindo a funcionar e os resultados estão à vista: não há consensos unânimes sobre as questões fundamentais. Vale, por isso, a pena reflectir um pouco sobre as razões que levaram a este estado de coisas e se a subsistência da União como entidade política se justifica, ou se não seria preferível os Estados abandonarem-na, dando-a por morta e enterrada.

Diga-se que, de começo, as razões que presidiram à criação das Comunidades Europeias na década de cinquenta do século passado, não subsistem neste momento. Na altura, tratava-se de criar um espaço de liberdade económica e mercantil entre os povos da Europa Ocidental, que fizesse germinar raízes de amizade e paz que afastassem o fantasma da guerra. Por outro lado, tratou-se, também, de apostar na liberdade de comércio como princípio civilizacional estruturante de desenvolvimento, contra o tradicional proteccionismo que os Estados soberanos europeus tinham imposto nos últimos séculos. Nessa medida, provavelmente sem a consciência plena disso, Monnet foi um liberal clássico (sim, sim, eu sei que ele esteve ligado a governos socialistas e a gabinetes de planificação económica, mas, quanto à integração comunitária, defendo há muito esta tese, que tentarei descrever e fundamentar um destes dias, em «post» a editar sobre o assunto), no método adoptado e posto em prática para a integração dos Estados da Europa Central e Ocidental. A ameaça soviética era, também, um factor importantíssimo a ter em conta, e a existência de um eixo atlântico defensivo tornou-se indispensável, e só poderia assentar numa Europa Ocidental (a que ficara fora da alçada soviética) economicamente forte e democraticamente organizada.
Com a queda do império soviético, a Europa comunitária foi obrigada a abrir-se aos países de leste. Durante décadas acenara-lhes com os valores da democracia, da liberdade e do mercado e, por isso, fechar-lhes a porta que lhes daria acesso a esse mundo na altura em que eles se acabavam de libertar de regimes ditatoriais, teria tido consequências imprevisíveis. Para além de que, se não o fizesse, outros o haveriam de fazer, perdendo, assim, credibilidade e diminuindo a sua capacidade de parceiro económico e político na comunidade internacional.

A queda da URSS, o Tratado de Maastricht e os desenvolvimentos tecnológicos, aceleraram aquilo a que se designa vulgarmente por «globalização». Face a este fenómeno, não podia ter sido pior a reacção comunitária: em vez de apostar no aprofundamento da liberdade de comércio com os países terceiros, começou a adoptar medidas proteccionistas e de ordenação centralizadora e planificadora das suas políticas e das dos Estados-membros. Ampliou as suas áreas de intervenção, dirigindo-se para domínios que não lhe cabiam, nem era suposto virem a caber. O Tratado de Amesterdão e a definição de um «modelo social europeu» foi um ponto de viragem indesejável, mas que marcou o futuro da integração comunitária. A recente proposta da criação de um imposto comunitário é a mais grave prova de que algo vai mal, muito mal, na Europa comunitária. Porque, o problema não consiste em saber se a União se estava ou não, e se devia ou não, converter-se numa Federação. Há muitos tipos de federalismo e este não carece necessariamente de um Estado central. A ideia do federalismo de Monnet e de Rougemont, ao contrário da de Spinelli que não vingou, era a de um federalismo funcional e não a de um federalismo estadual centralizado. O princípio da tributação directa dos cidadãos europeus pelas instituições comunitárias é a prova de que, ao fim de todo este tempo, o modelo de federalismo estadual centralizado se poderá vir a impor na integração comunitária, como suposta medida de salvação da dispersão produzida pelo alargamento. Trata-se, obviamente, de uma solução socialista, ao arrepio da sua tradição, das suas origens e do que foi lançado pelos seus fundadores. Não interessa a ninguém, será um modelo impossível de impor aos seus vinte e sete membros e, por consequência, poderá bem determinar o fim da própria União Europeia.

3 comentários:

Anónimo disse...

Rui,

Como seria, na sua opiniao, o pos-Uniao Europeia?

Anónimo disse...

Discordo da assumpção que os problemas actuais se devam ao aumento de membros. Note-se que não estou a dizer que não sejam eventualmente um problema mas não tem exemplos de bloqueios devido aos países de Leste. Como disseste os problemas correntes são devido ao fim da Guerra Fria e a consequente liberdade de estratégia que os diversos membros da EU agora têm. Ás dificuldades económicas de um modelo social pouco adaptado á globalização, incluíndo o pensamento em conceitos obsoletos como "blocos económicos" e a organizações como Parlamento Europeu e o Tribunal Europeu também a querer ganhar poder e a arrogar-se de prerrogativas mesmo de forma ilegal.
Concordo com a conclusão.

lucklucky

Anónimo disse...

Boa pergunta, caro Harpic. Não lhe sei responder, embora seja um bom desafio para um «post». Talvez se mantivesse o espaço do mercado comum sem as funções políticas que tem vindo a adquirir e pretende ampliar. Embora reconheça que essa não seria uma saida fácil.

Caro LL,

Não sou em quem o afirma, mas os próprios Estados-membros, ao reconheceram, em Nice, como insuficientes as reformas institucionais que aí realizaram, tendo em vista o alargamento. A questão é simples: à medida que o número de Estados-membros aumenta, têm de diminuir as matérias onde ainda se delibera por unanimidade, bem como reduzir a percentagem para alcançar a maioria qualificada. Foi isso mesmo que se propôs no Tratado Constitucional. om os resultados que estão à vista...