1. Eu, pecador, me confesso: não me é devida qualquer originalidade em qualificar Juan de Mariana e a generalidade dos padres da Escolástica de Salamanca, como percursores do liberalismo clássico, do que floresce na Inglaterra do tempo de Locke, e do «libertarismo» de raiz norte-americana. Envergonhado, reconheço que plagiei o tema a autores que julgava desconhecidos e, por isso, supus que o meu vil acto passasse incólume, para que sobre mim recaísse a glória de tamanha façanha.
2. Não percamos, pois, tempo a tentar esconder o que foi já revelado e a justificar o que não tem justificação. Para além de muitas outras fontes de natureza secundária, cujo pudor e a vergonha me inibem de citar, foi nas obras de um certo Friedrich August von Hayek e de um tal Murray N. Rothbard que mais directamente me inspirei. O primeiro, austríaco, já falecido, quase sem obra publicada em Portugal. O segundo, americano, também já não está entre nós e, no que diz respeito a edições portuguesas do que escreveu, nunca chegou a estar. Perante tais precedentes, como poderia calcular que alguém descobriria o artifício que utilizei? Erro meu.
3. Mas foi, infelizmente, o que sucedeu com o meu bom amigo CAA, homem letrado e conhecedor, que logo identificou a origem da prosa e as intenções malévolas que, sem eu perceber, lhe estavam subjacentes por influência dos dois citados desconhecidos: o domínio mundial do papado romano, pela subversão das ideias, das mentes e dos espíritos. Neste caso, fazendo dos homens da Escolástica Tardia autores que influenciaram o liberalismo. Como se pode depreender do que o CAA escreve, essa doutrina e filosofia política está absolutamente imune a quaisquer influências clericais e, tal como o vampiro de Bram Stoker, delas foge como aquele fugia da cruz.
4. Para que não sobejem dúvidas sobre a origem do meu plágio, gostaria de fazer algumas referências sobre as suas fontes autênticas.
Sobre Hayek (o tal que era austríaco…) direi que me impressionou a referência que fez aos padres da Escolástica Tardia no discurso proferido em Estocolmo perante a Academia Sueca, em 11 de Dezembro de 1974, ao receber o Nobel da Economia desse ano. A páginas tantas, criticando o positivismo sociológico do fim do século XIX que impregnou as Ciências, desde logo, a Economia, Hayek referiu-se-lhes nestes termos: «Indeed, the chief point (a impossibilidade do cálculo matemático dos preços) was already seen by those remarkable anticipators of modern economics, the Spanish schoolmen of the sixteenth century, who emphasized that what they called «pretium mathematicum», the matematical price, depended on so many particular circumstances that it could never be known to man but was known only by God. I sometimes wish that our mathematical economists would take this to the heart». No I volume do Legislation and Liberty (Rules and Order), o homem volta a citar os Escolásticos, desta vez o padre Luís de Molina (uma obsessão, verdadeiramente equívoca, que ele tinha), a propósito da ideia do equilíbrio natural do mercado na formação do «preço natural» ou do «preço justo», com a qual Hayek concordava, entroncando, de resto, no seu paradigma epistemológico, de acordo com o qual é impossível prever o comportamento humano, logo e por consequência, planificá-lo.
Rothbard (o americano) é ainda mais directo e exaustivo. Dedica na sua extensa História do Pensamento Económico, um amplo capítulo (o IV) sobre a Escolástica Tardia. Sobre o «grande Molina» (sempre ele!...) afirma que «foi um liberal sólido». De Mariana escreve ter sido ele, e não Suarez (outro jesuíta da época…), «quem deve ser considerado o percursor da teoria, exposta por John Locke, do consentimento popular e da permanente superioridade do povo sobre o governo». De Azpilcueta (o célebre Doutor Navarro) insinua que «usou da sua grande influência para impulsionar o liberalismo».
5. Ora, parece que Hayek e Rothbard foram dois autores sólidos do que podemos considerar o liberalismo clássico e o «libertarismo» do século XX. Se eles se reconhecem no que os Padres da Escolástica escreveram, é porque se deixaram influenciar por eles. E, ao deixarem-se influenciar assim tão fortemente, acabaram por influenciar também aqueles que os lêem, ou sejam, todos nós que nos consideramos liberais: eu próprio que, como confessei, os plagiei descaradamente, e até o CAA que, talvez inconscientemente, acaba por ser, afinal, uma vítima inconsciente do tal plano da, como lhe chama, ICAR para dominar os espíritos e o mundo…
6. Dito isto, fazendo agora apelo a um «post» do João Noronha editado no contexto desta polémica, acrescentaria que não afirmei em momento algum que a doutrina de Mariana, nem a da maior parte dos Escolásticos de Salamanca, coincidia com a da Igreja Católica, nomeadamente no conceito de propriedade. Este está, em minha opinião, muito mais próximo do que foi teorizado pelos jurisconsultos clássicos do direito romano, para quem a propriedade só poderia ser, por definição, um direito absoluto, e não um direito limitado pelo «princípio do destino universal dos bens», ou da sua função social, como parecem pretender os seguidores da sua mais recente Doutrina Social. Acrescente-se, aliás, que desde muito cedo a Igreja se opôs a esta visão da propriedade. O que, de resto, serviu para que os imperadores do Baixo-Império, recém «convertidos» ao cristianismo, produzissem legislação altamente intervencionista e atentatória da propriedade privada. O que eu disse, em suma, é que Mariana (e a generalidade dos Escolásticos Espanhóis) foi um liberal e foi padre. Como, também, reconheço que teve algumas opiniões, como as que o João citou, que não se enquadram minimamente no espírito do liberalismo. Alguns biógrafos seus dizem, contudo, que, mais tarde, se terá retractado e reconsiderado o que a esse respeito escrevera. Ora, como «um santo peca sete vezes ao dia», se assim foi, Mariana deverá merecer o perdão dos liberais. Pelo menos, o meu não deixa certamente de o ter.
7. Por último e a propósito das denúncias permanentes do meu amigo CAA acerca da Igreja Católica, recomendar-lhe-ia, eu que, infelizmente, não fui bafejado pela fé, que sobre a humanidade e a eventual transcendência dessa Instituição lesse um pequeno conto do Decameron do Boccaccio, precisamente o segundo dessa extensa obra do século XIV. Nele, conta-se a história do judeu Abraão que, manifestando um ódio profundo pela Igreja de Roma, é convencido por um seu amigo crente a visitá-la. E, ao voltar, embora chocado com a «perversidade do clero» que por lá andava, regressa profundamente convertido ao cristianismo romano. Quem sabe, talvez sirva de sugestão para uma próxima viagem turística do meu bom amigo CAA…
2. Não percamos, pois, tempo a tentar esconder o que foi já revelado e a justificar o que não tem justificação. Para além de muitas outras fontes de natureza secundária, cujo pudor e a vergonha me inibem de citar, foi nas obras de um certo Friedrich August von Hayek e de um tal Murray N. Rothbard que mais directamente me inspirei. O primeiro, austríaco, já falecido, quase sem obra publicada em Portugal. O segundo, americano, também já não está entre nós e, no que diz respeito a edições portuguesas do que escreveu, nunca chegou a estar. Perante tais precedentes, como poderia calcular que alguém descobriria o artifício que utilizei? Erro meu.
3. Mas foi, infelizmente, o que sucedeu com o meu bom amigo CAA, homem letrado e conhecedor, que logo identificou a origem da prosa e as intenções malévolas que, sem eu perceber, lhe estavam subjacentes por influência dos dois citados desconhecidos: o domínio mundial do papado romano, pela subversão das ideias, das mentes e dos espíritos. Neste caso, fazendo dos homens da Escolástica Tardia autores que influenciaram o liberalismo. Como se pode depreender do que o CAA escreve, essa doutrina e filosofia política está absolutamente imune a quaisquer influências clericais e, tal como o vampiro de Bram Stoker, delas foge como aquele fugia da cruz.
4. Para que não sobejem dúvidas sobre a origem do meu plágio, gostaria de fazer algumas referências sobre as suas fontes autênticas.
Sobre Hayek (o tal que era austríaco…) direi que me impressionou a referência que fez aos padres da Escolástica Tardia no discurso proferido em Estocolmo perante a Academia Sueca, em 11 de Dezembro de 1974, ao receber o Nobel da Economia desse ano. A páginas tantas, criticando o positivismo sociológico do fim do século XIX que impregnou as Ciências, desde logo, a Economia, Hayek referiu-se-lhes nestes termos: «Indeed, the chief point (a impossibilidade do cálculo matemático dos preços) was already seen by those remarkable anticipators of modern economics, the Spanish schoolmen of the sixteenth century, who emphasized that what they called «pretium mathematicum», the matematical price, depended on so many particular circumstances that it could never be known to man but was known only by God. I sometimes wish that our mathematical economists would take this to the heart». No I volume do Legislation and Liberty (Rules and Order), o homem volta a citar os Escolásticos, desta vez o padre Luís de Molina (uma obsessão, verdadeiramente equívoca, que ele tinha), a propósito da ideia do equilíbrio natural do mercado na formação do «preço natural» ou do «preço justo», com a qual Hayek concordava, entroncando, de resto, no seu paradigma epistemológico, de acordo com o qual é impossível prever o comportamento humano, logo e por consequência, planificá-lo.
Rothbard (o americano) é ainda mais directo e exaustivo. Dedica na sua extensa História do Pensamento Económico, um amplo capítulo (o IV) sobre a Escolástica Tardia. Sobre o «grande Molina» (sempre ele!...) afirma que «foi um liberal sólido». De Mariana escreve ter sido ele, e não Suarez (outro jesuíta da época…), «quem deve ser considerado o percursor da teoria, exposta por John Locke, do consentimento popular e da permanente superioridade do povo sobre o governo». De Azpilcueta (o célebre Doutor Navarro) insinua que «usou da sua grande influência para impulsionar o liberalismo».
5. Ora, parece que Hayek e Rothbard foram dois autores sólidos do que podemos considerar o liberalismo clássico e o «libertarismo» do século XX. Se eles se reconhecem no que os Padres da Escolástica escreveram, é porque se deixaram influenciar por eles. E, ao deixarem-se influenciar assim tão fortemente, acabaram por influenciar também aqueles que os lêem, ou sejam, todos nós que nos consideramos liberais: eu próprio que, como confessei, os plagiei descaradamente, e até o CAA que, talvez inconscientemente, acaba por ser, afinal, uma vítima inconsciente do tal plano da, como lhe chama, ICAR para dominar os espíritos e o mundo…
6. Dito isto, fazendo agora apelo a um «post» do João Noronha editado no contexto desta polémica, acrescentaria que não afirmei em momento algum que a doutrina de Mariana, nem a da maior parte dos Escolásticos de Salamanca, coincidia com a da Igreja Católica, nomeadamente no conceito de propriedade. Este está, em minha opinião, muito mais próximo do que foi teorizado pelos jurisconsultos clássicos do direito romano, para quem a propriedade só poderia ser, por definição, um direito absoluto, e não um direito limitado pelo «princípio do destino universal dos bens», ou da sua função social, como parecem pretender os seguidores da sua mais recente Doutrina Social. Acrescente-se, aliás, que desde muito cedo a Igreja se opôs a esta visão da propriedade. O que, de resto, serviu para que os imperadores do Baixo-Império, recém «convertidos» ao cristianismo, produzissem legislação altamente intervencionista e atentatória da propriedade privada. O que eu disse, em suma, é que Mariana (e a generalidade dos Escolásticos Espanhóis) foi um liberal e foi padre. Como, também, reconheço que teve algumas opiniões, como as que o João citou, que não se enquadram minimamente no espírito do liberalismo. Alguns biógrafos seus dizem, contudo, que, mais tarde, se terá retractado e reconsiderado o que a esse respeito escrevera. Ora, como «um santo peca sete vezes ao dia», se assim foi, Mariana deverá merecer o perdão dos liberais. Pelo menos, o meu não deixa certamente de o ter.
7. Por último e a propósito das denúncias permanentes do meu amigo CAA acerca da Igreja Católica, recomendar-lhe-ia, eu que, infelizmente, não fui bafejado pela fé, que sobre a humanidade e a eventual transcendência dessa Instituição lesse um pequeno conto do Decameron do Boccaccio, precisamente o segundo dessa extensa obra do século XIV. Nele, conta-se a história do judeu Abraão que, manifestando um ódio profundo pela Igreja de Roma, é convencido por um seu amigo crente a visitá-la. E, ao voltar, embora chocado com a «perversidade do clero» que por lá andava, regressa profundamente convertido ao cristianismo romano. Quem sabe, talvez sirva de sugestão para uma próxima viagem turística do meu bom amigo CAA…
3 comentários:
Brilhante. Não era aliás de esperar outra coisa.
Acrescentaria apenas que nem Hayek nem Rothbard, apesar de participarem na urdidura da "ICAR" para controlar o mundo, eram católicos.
Caro André,
Obrigado pelo elogio.
Quanto ao segundo comentário, ele revela somenta a gigantesca e odiosa dimensão da denunciada conspiração. Ou urdidura, como preferires...
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