Dificilmente lograríamos encontrar melhor prova da inviabilidade do regime político-constitucional da nossa III República do que as eleições presidenciais em curso.
Os candidatos à chefia do Estado, entre os quais estão um ex-Presidente da República, um ex-Primeiro Ministro e dois líderes partidários de partidos com representação parlamentar, não conseguem sequer entender-se sobre o que o que são os poderes da magistratura a que pretendem ascender, e têm passado a campanha a discutir o que podem ou não podem fazer se e quando lá chegarem. Os constitucionalistas do regime, entre os quais o Doutor Vital Moreira, desdobram-se em esotéricas interpretações das normas constitucionais que regem a função presidencial, principalmente as que dispõem sobre seus poderes perante as instituições políticas da República, a saber, o Parlamento e o Governo.
Por outro lado, a natureza electiva do cargo presidencial, própria dos modelos semipresidencialistas como o nosso, obriga os senhores candidatos a percorrerem o país de lés-a-lés, prometendo o que não lhes cabe prometer. Mas, em bom rigor, se eles têm de obter votos para chegar a Belém, como poderiam deixar de prometer aos eleitores aquilo que eles querem ouvir: prosperidade, emprego, estabilidade, desenvolvimento, em suma, bodo aos pobres, aos ricos e aos remediados? O ridículo chegou a tal ponto que, com receio do que digam os outros, de há uns tempos para cá cada candidato evita fazer promessas, com medo de «pisar o risco» constitucional das suas competências. Há dias, Cavaco anunciou que era homem para sugerir, note-se, sugerir, ao Governo que criasse uma qualquer traquitana para fiscalizar ninguém sabe ao certo o quê. Caiu o Carmo e a Trindade: os candidatos adversários e o partido do Governo consideraram a sugestão de tamanha gravidade que houve mesmo quem sugerisse uma reunião dessa magna instituição da República, que é o Conselho de Estado, para que se pronunciasse sobre tão sério problema. Dois dias depois, Sampaio, o Presidente em exercício, chamou a Belém um ministro qualquer, para que lhe prestasse contas sobre um acto do Governo. Função que, ao que parece, ele julga competir-lhe.
Neste cenário em que ninguém se entende, é óbvia a necessidade de clarificar o sistema de governo em que vivemos, nomeadamente, o estatuto e funções do Chefe de Estado. Como seria, também, importante rever urgentemente a Constituição e expurgá-la dessa repelência normativa que é o artigo 288º, alínea b), que consagra, entre os limites materiais à sua revisão, a «forma republicana de governo». A expressão, não fora arcaica, oitocentista e jacobina, seria quase analfabeta, já que o que é republicano ou monárquico é o modelo do Estado e não do governo. A forma de governo é presidencial, parlamentar ou outra qualquer. Monárquica ou republicana é que não será seguramente.
Ao fim de trinta anos deste sistema constitucional, em vez da Regeneração do regime, como ocorreu no século XIX trinta anos depois do início da primeira vigência da Carta Constitucional, encontramo-nos em plena Degeneração. Como estamos na União Europeia e, por isso, nos sentimos seguros e confortáveis, a nossa Degeneração não tem fim à vista e continuará sine die a ser pacatamente gerida, como nada se passasse.
Até ver.
Os candidatos à chefia do Estado, entre os quais estão um ex-Presidente da República, um ex-Primeiro Ministro e dois líderes partidários de partidos com representação parlamentar, não conseguem sequer entender-se sobre o que o que são os poderes da magistratura a que pretendem ascender, e têm passado a campanha a discutir o que podem ou não podem fazer se e quando lá chegarem. Os constitucionalistas do regime, entre os quais o Doutor Vital Moreira, desdobram-se em esotéricas interpretações das normas constitucionais que regem a função presidencial, principalmente as que dispõem sobre seus poderes perante as instituições políticas da República, a saber, o Parlamento e o Governo.
Por outro lado, a natureza electiva do cargo presidencial, própria dos modelos semipresidencialistas como o nosso, obriga os senhores candidatos a percorrerem o país de lés-a-lés, prometendo o que não lhes cabe prometer. Mas, em bom rigor, se eles têm de obter votos para chegar a Belém, como poderiam deixar de prometer aos eleitores aquilo que eles querem ouvir: prosperidade, emprego, estabilidade, desenvolvimento, em suma, bodo aos pobres, aos ricos e aos remediados? O ridículo chegou a tal ponto que, com receio do que digam os outros, de há uns tempos para cá cada candidato evita fazer promessas, com medo de «pisar o risco» constitucional das suas competências. Há dias, Cavaco anunciou que era homem para sugerir, note-se, sugerir, ao Governo que criasse uma qualquer traquitana para fiscalizar ninguém sabe ao certo o quê. Caiu o Carmo e a Trindade: os candidatos adversários e o partido do Governo consideraram a sugestão de tamanha gravidade que houve mesmo quem sugerisse uma reunião dessa magna instituição da República, que é o Conselho de Estado, para que se pronunciasse sobre tão sério problema. Dois dias depois, Sampaio, o Presidente em exercício, chamou a Belém um ministro qualquer, para que lhe prestasse contas sobre um acto do Governo. Função que, ao que parece, ele julga competir-lhe.
Neste cenário em que ninguém se entende, é óbvia a necessidade de clarificar o sistema de governo em que vivemos, nomeadamente, o estatuto e funções do Chefe de Estado. Como seria, também, importante rever urgentemente a Constituição e expurgá-la dessa repelência normativa que é o artigo 288º, alínea b), que consagra, entre os limites materiais à sua revisão, a «forma republicana de governo». A expressão, não fora arcaica, oitocentista e jacobina, seria quase analfabeta, já que o que é republicano ou monárquico é o modelo do Estado e não do governo. A forma de governo é presidencial, parlamentar ou outra qualquer. Monárquica ou republicana é que não será seguramente.
Ao fim de trinta anos deste sistema constitucional, em vez da Regeneração do regime, como ocorreu no século XIX trinta anos depois do início da primeira vigência da Carta Constitucional, encontramo-nos em plena Degeneração. Como estamos na União Europeia e, por isso, nos sentimos seguros e confortáveis, a nossa Degeneração não tem fim à vista e continuará sine die a ser pacatamente gerida, como nada se passasse.
Até ver.
13 comentários:
Caro Rui,
Sobre esta questão, convido-o a ler o que, desde há muito, venho escrevendo em http://revisao-da-materia.blogspot.com/
É fundamental, de facto, uma abordagem cada vez mais racional ao tema, despida de jacobinsmos arcaicos. Com a leitura deste seu post, sinto que não ando a chover no molhado.
Cumprimentos.
O art. 122 da CRP permite qualquer cidadao portugues candidatar-se a presidente da república, mas como disse, o candidato Mário Soares, numa acçao de pré-campanha( hoje ou ontem), só merece ser presidente aquele que se considera politico profissional, por isso é k esses politicos profissionais imposeram a alínea a obrigar k qualker pretenso candidato não profissional as 7500 assinaturas, no mínimo, artº 124 da CRP.
Assim, os politicos profissionais impedem a entrada de intrusos!
Quanto ao art. 288 b) o problema é muitos dos ditos democráticos de esquerda tem receio k os portugueses um dia decidam-se por outro regime, e tb consideram o regime monárquico como antiquado e k n se coaduna com o sistema democrático, e para evitar supresas colocaram essa alínea anacrónica na CRP!
Excelente (tás a ver, quando não fazes vénias à organização as coisas saem melhor...)
"A forma de governo é presidencial, parlamentar ou outra qualquer. Monárquica ou republicana é que não será seguramente."
LOL! Boa, o esqueleto do Montesquieu, coitado, deve estar a corar de vergonha! É que o pobre coitado distinguia precisamente estas três formas de governo: República, monarquia e despotismo. Não faz a minima ideia do que significa a formula “formas de governo”, pois não? Acho que a confunde com outra coisa que não percebo. Eu explico: basicamente, Formas de Governo são os modos através dos quais o Estado se organiza. Mais, está nos livros.
caramelo
«Formas de Governo são os modos através dos quais o Estado se organiza». Brilhante!
E parabéns, também, pela actualíssima classificação a que se referiu. Eu, por mim, sugeria-lhe uma outra ainda mais actual: a de Aristóteles.
Muito bem apanhada a comparação entre a Regeneração de há 150 anos e a Degeneração actual.
Amanhá, voltamos a falar, caro rui a. Agora tenho o governo da casa para tratar ;)
caramelo
Caro Anonymous,
Bem dizia o Doutor Salazar que o governo do país era igual ao da casa.
Até amanhã, então.
Portugal, passado, presente e futuro em si!!!
Somos uma nação pobre (estéril) e castrada (infecunda) …
http://sal-portugal.blogspot.com/
JAC - Sal de Portugal
Não podendo deixar de concordar com a necessidade de rever o preceito constitucional que prevê uma “forma republicana de Governo” impõe-se que lhe coloque um questão.
Qual a utilidade pratica da clarificação do papel do Presidente da republica?
A meu ver, na situação actual, nenhuma.
Por muitos problemas que a C.R.P. possa levantar, e pode, este certamente não será o mais premente, desde logo porque o sufrágio directo e universal que coloca o P.R. em Belém dá-lhe toda a legitimidade para que, dentro dos limites constitucionais elementares, exerça a suprema magistratura como bem entender. De resto os vários mandatos presidenciais que se sucederam têm, com excepção de alguns episódios infelizes como o que protagonizou o Dr. Jorge Sampaio à bem pouco tempo, acentuado o caracter Parlamentar da Republica Portuguesa.
Quanto às promessas eleitorais descabidas tal nem merece a atenção de qualquer espirito esclarecido pois é o prato do dia mais inconsequente de qualquer eleição de qualquer pais do Mundo que se reja Democraticamente; servindo em Portugal apenas para alguns académicos partidariamente comprometidos como o prof. Vital Moreira ou o Dr. Vitalino Canas fazerem chicana política que só os cobre de ridículo.
Termino relevando que se é a mui nobre causa Monárquica que se pretende defender, este não é dos melhores caminhos embora possas ser trilhado, sempre conscientes de que a indeterminação dos conceitos legais mesmo tratando-se da legalidade constitucional pode ser algo precioso permitindo ao sistema político adaptar-se ao devir dos tempos.
De "jacobinices" percebemos nós, que não nos contentamos com a importação de tudo e mais alguma coisa, fazendo o possível por a tornar bem portuguesa logo a seguir.
Quanto às assinaturas requeridas para formalizar as candidaturas a PR, por exemplo, o problema não é o número "itself", mas a obrigatoriedade da prova documental da cidadania de cada assinante, isto é, assinaturas até podem arranjar-se 20.000, mas quem as vai reconhecer todas?
O sistema é perfeito para as máquinas partidárias ou "parapartidárias" (é um neoneologismo), mas o cidadão comum, realmente apartidário, dificilmente conseguirá ter tudo conforme. After all... That's the point. Isn't it?
;)
Rui a. a expressão forma de governo é usada, por exemplo, na constituição dos Estados Unidos “The United States shall guarantee to every state in this Union a Republican Form of Government”. (artigo IV, secção III). O mesmo poderá encontrar nas constituições francesa, brasileira, italiana, e muitas outras. A referência ao Montesquieu parece-lhe longínqua e “fora de moda”, digamos. Mas olhe que a inspiração sobre as actuais formas de governo nem é ele, mas sim o Maquiavel, que inaugurou a era moderna em termos de ciência politica. Foi ele que classificou as formas de Governo como Republica e Monarquia. Podia-lhe também citar o Canotilho, que qualifica a República como “forma de governo não pessoal”, etc, etc. Depois existem as várias subdivisões das formas de governo: a república parlamentar, a presidencial, a monarquia absoluta, etc. obviamente não vou aqui discutir consigo ciência politica. O tema é complexo e não estou preparado para isso. O que eu lhe disse é fruto de algumas pesquisas rápidas em livros, e obviamente posso estar a cometer imprecisões mais ou menos graves. Parece-me, no entanto, um bocado ousado da sua parte, taxar de "quase analfabeta" uma opção doutrinária e conceptual dos redactores da constituição, que não são exactamente azelhas no assunto. Foi essa parte que eu achei hilariante. E expressões como "não é seguramente" são sempre um bocado arriscadas... Espero então pela sua resposta.
caramelo
Estimado Caramelo,
Não esqueça que a Constituição norte-americana, de 1787, tam mais de duzentos anos. Havia, de facto, ao tempo, uma razão para que essa classificação/distinção fosse feita assim. Hoje, como tentarei demonstrar num «post» que escreverei um destes dias, já não.
Verá que, por exemplo, não existem «republicas parlamentares» como sistemas de governo, mas parlamentarismo, que tanto poderá encontrar em republica ou monarquia.
Por outro lado, muito antes do Maquiavel há classificações das, então, ditas «formas de governo». Todos os clássicos gregos e romanos já o tinham feito.
Bom, mas falaremos mais tarde, conforme o prometido.
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