A agonia laicista
O meio político português já parece acostumado às investidas de uma esquerda que perante o desaire indesmentível do seu catecismo económico e dos seus princípios de reorganização social, e à falta de outra via política, adoptou uma postura fracturante. Aquartelada num partido de extrema-esquerda, minoritário mas influente e tentacular, protegido por alguns media visivelmente favoráveis, arremessam propostas para uma sociedade alternativa, desafiando o modelo e a organização vigentes. Na carência de agenda económica, incendeiam o debate político com temas como liberalização do aborto, legalização dos casamentos homossexuais, adopção de crianças por homossexuais, combate à globalização, anti-americanismo primário e outras questões fracturantes.
Mas afinal quem os escuta? Quem têm por público-alvo? Adversários declarados do capital, não simpatizam de certo com a classe empresarial; defensores de ideias fracturantes e de ruptura social, não se identificarão com o tradicional público católico português. Tudo parece indicar que tendencialmente visam uma classe nova, emergente, facilmente arrebanhável para as suas causas e pouco ligada às raízes tradicionais. Nas palavras de um conhecido social-democrata, “é o partido de uma certa juventude urbana, bem instalada na vida”. Ora, isto pressupõe um eleitorado com relativo nível de instrução e estudo. Claro que o partido também o sabe, como sabe também que precisamente por isso a educação e o ensino não podem ser arredados do seu arsenal político. É mercadoria demasiado procurada para ausentar da prateleira eleitoral. Logo, há que intervir também nesta área, o que porém não lhes é fácil, por duas razões.
Para começar, pouco lhes resta para reivindicar, pois praticamente todas as suas preces estatizantes nesta matéria estão atendidas há anos. Modelo educativo esmagadoramente estatal, planeamento burocrático e centralizado de docentes e conteúdos, nivelamento social e intelectual da escola e restrição do espaço de manobra para as tão propaladas injustiças do ensino privado. Como cereja em cima do bolo, e a pretexto de fixar docentes (mesmo que compulsivamente), uma recente lei proibirá os professores de concorrerem anualmente. Um partido de inspiração soviética não poderia querer melhor do actual governo. Portanto, nada a reclamar do ensino em Portugal.
Todavia, e como segunda razão, o descalabro da sua ideologia também atinge o ensino. Mais grave, neste caso a decadência não se encontra nos confins orientais da Europa, mas está patente portas adentro, no próprio país, irremediavelmente exposta pela prática dessas ideias. Ninguém de bom senso se atreve a contradizer os desastrosos resultados de tal ensino estatal, nivelador e inimigo do mercado, que nos persegue há décadas: empobrecimento da qualidade de ensino e dos níveis de aproveitamento; abandono escolar galopante; escolas fisicamente degradadas e obsoletas; encerramento e desinvestimento em escolas do interior, subjugadas às contigências orçamentais de um qualquer governo central; proliferação descontrolada de droga e insegurança nos espaços escolares; impotência e perda de autoridade face à crescente indisciplina estudantil; colocação de docentes comandada por um sistema informático megalítico, impessoal, que tudo submete, desde a maior escola da capital à mais modesta escolinha raiana; não obstante, colocações fraudulentas e desastrosos concursos nacionais de colocação que enriqueceram o anedotário radiofónico e televisivo; massivas migrações internas de professores desmoralizados, feridos na integridade familiar, subjugados a uma vida nómada, a escolas onde nunca pertencerão e a uma progressão na carreira indiferente à competência profissional demonstrada; salários rígidos, legalmente tabelados, inadaptados aos mercados locais (dois professores do mesmo escalão, em Lisboa e em Braga, auferem o mesmo vencimento, ainda que o arrendamento e o custo de vida na capital possa ser muito superior); conteúdos programáticos traçados num qualquer gabinete metropolitano, desajustados das especificidades regionais; políticas de adopção de livros escolares mais favoráveis às editoras do que aos alunos; e suprema ironia, florescimento do negócio (muitas vezes paralelo) de explicações escolares privadas.
Por um lado, o bom senso aconselha a evitar o incómodo tema do ensino. Mas por outro, não podem esgueirar-se ao assunto, sob pena de defraudar as expectativas dos seus jovens admiradores. Ou seja, é preciso abordar a temática educativa de uma forma qualquer. Então como conciliar a situação? Reivindicar mais financiamento público é uma possibilidade. Soa sempre bem, mas infelizmente já não resulta. Portugal detém, entre os quinze, a educação pública mais dispendiosa por aluno. Uma vez mais, a salvação reside num tema fracturante: senhoras e senhores, está declarada a guerra ao crucifixo escolar. Manobra hábil, sem dúvida. Num país nevralgicamente católico, a polémica é garantida, a propaganda política também. Aparentam estar atentos ao ensino, quando realmente se esquivam aos problemas sérios e fundamentais. Remover cruzes não tem custos, ninguém levantará impertinentes objecções financeiras e o discurso tem adeptos assegurados, como sempre sucede com as manifestações anti-clericais desde a revolução francesa. É fácil, é barato e dá votações.
Reza a História que na batalha de Toro entre portugueses e castelhanos, o alferes-mor do rei português, a quem estava confiado o estandarte real, vendo as forças portuguesas subjugadas pelo inimigo, empunhou a bandeira e defendeu-a com heróica bravura, a tal ponto que depois de perder ambas as mãos, segurou o estandarte nos dentes e resistiu até desfalecer acossado pelo inimigo. Da mesma forma, também os arreigados defensores da educação estatal se vêem cercados, dizimados e dilacerados pela realidade, e qual decepado de Toro, acenam desesperadamente o estandarte da estéril escola estatal contra a secular escola de inspiração cristã. Enquanto este flamejar lá no alto, impressionam as suas fileiras, dissimulam a derrota retumbante, e fazem crer que a sua doutrina educativa ainda não tombou de vez. É por isso que a ofensiva laicista nas escolas encerra em si mesma a consciência de uma estrondosa derrota. A derrota de uma utopia educativa contra a sociedade civil e as suas centenárias instituições. Infelizmente, os perdedores não são só eles. Na verdade, os grandes derrotados somos todos nós.
Mas afinal quem os escuta? Quem têm por público-alvo? Adversários declarados do capital, não simpatizam de certo com a classe empresarial; defensores de ideias fracturantes e de ruptura social, não se identificarão com o tradicional público católico português. Tudo parece indicar que tendencialmente visam uma classe nova, emergente, facilmente arrebanhável para as suas causas e pouco ligada às raízes tradicionais. Nas palavras de um conhecido social-democrata, “é o partido de uma certa juventude urbana, bem instalada na vida”. Ora, isto pressupõe um eleitorado com relativo nível de instrução e estudo. Claro que o partido também o sabe, como sabe também que precisamente por isso a educação e o ensino não podem ser arredados do seu arsenal político. É mercadoria demasiado procurada para ausentar da prateleira eleitoral. Logo, há que intervir também nesta área, o que porém não lhes é fácil, por duas razões.
Para começar, pouco lhes resta para reivindicar, pois praticamente todas as suas preces estatizantes nesta matéria estão atendidas há anos. Modelo educativo esmagadoramente estatal, planeamento burocrático e centralizado de docentes e conteúdos, nivelamento social e intelectual da escola e restrição do espaço de manobra para as tão propaladas injustiças do ensino privado. Como cereja em cima do bolo, e a pretexto de fixar docentes (mesmo que compulsivamente), uma recente lei proibirá os professores de concorrerem anualmente. Um partido de inspiração soviética não poderia querer melhor do actual governo. Portanto, nada a reclamar do ensino em Portugal.
Todavia, e como segunda razão, o descalabro da sua ideologia também atinge o ensino. Mais grave, neste caso a decadência não se encontra nos confins orientais da Europa, mas está patente portas adentro, no próprio país, irremediavelmente exposta pela prática dessas ideias. Ninguém de bom senso se atreve a contradizer os desastrosos resultados de tal ensino estatal, nivelador e inimigo do mercado, que nos persegue há décadas: empobrecimento da qualidade de ensino e dos níveis de aproveitamento; abandono escolar galopante; escolas fisicamente degradadas e obsoletas; encerramento e desinvestimento em escolas do interior, subjugadas às contigências orçamentais de um qualquer governo central; proliferação descontrolada de droga e insegurança nos espaços escolares; impotência e perda de autoridade face à crescente indisciplina estudantil; colocação de docentes comandada por um sistema informático megalítico, impessoal, que tudo submete, desde a maior escola da capital à mais modesta escolinha raiana; não obstante, colocações fraudulentas e desastrosos concursos nacionais de colocação que enriqueceram o anedotário radiofónico e televisivo; massivas migrações internas de professores desmoralizados, feridos na integridade familiar, subjugados a uma vida nómada, a escolas onde nunca pertencerão e a uma progressão na carreira indiferente à competência profissional demonstrada; salários rígidos, legalmente tabelados, inadaptados aos mercados locais (dois professores do mesmo escalão, em Lisboa e em Braga, auferem o mesmo vencimento, ainda que o arrendamento e o custo de vida na capital possa ser muito superior); conteúdos programáticos traçados num qualquer gabinete metropolitano, desajustados das especificidades regionais; políticas de adopção de livros escolares mais favoráveis às editoras do que aos alunos; e suprema ironia, florescimento do negócio (muitas vezes paralelo) de explicações escolares privadas.
Por um lado, o bom senso aconselha a evitar o incómodo tema do ensino. Mas por outro, não podem esgueirar-se ao assunto, sob pena de defraudar as expectativas dos seus jovens admiradores. Ou seja, é preciso abordar a temática educativa de uma forma qualquer. Então como conciliar a situação? Reivindicar mais financiamento público é uma possibilidade. Soa sempre bem, mas infelizmente já não resulta. Portugal detém, entre os quinze, a educação pública mais dispendiosa por aluno. Uma vez mais, a salvação reside num tema fracturante: senhoras e senhores, está declarada a guerra ao crucifixo escolar. Manobra hábil, sem dúvida. Num país nevralgicamente católico, a polémica é garantida, a propaganda política também. Aparentam estar atentos ao ensino, quando realmente se esquivam aos problemas sérios e fundamentais. Remover cruzes não tem custos, ninguém levantará impertinentes objecções financeiras e o discurso tem adeptos assegurados, como sempre sucede com as manifestações anti-clericais desde a revolução francesa. É fácil, é barato e dá votações.
Reza a História que na batalha de Toro entre portugueses e castelhanos, o alferes-mor do rei português, a quem estava confiado o estandarte real, vendo as forças portuguesas subjugadas pelo inimigo, empunhou a bandeira e defendeu-a com heróica bravura, a tal ponto que depois de perder ambas as mãos, segurou o estandarte nos dentes e resistiu até desfalecer acossado pelo inimigo. Da mesma forma, também os arreigados defensores da educação estatal se vêem cercados, dizimados e dilacerados pela realidade, e qual decepado de Toro, acenam desesperadamente o estandarte da estéril escola estatal contra a secular escola de inspiração cristã. Enquanto este flamejar lá no alto, impressionam as suas fileiras, dissimulam a derrota retumbante, e fazem crer que a sua doutrina educativa ainda não tombou de vez. É por isso que a ofensiva laicista nas escolas encerra em si mesma a consciência de uma estrondosa derrota. A derrota de uma utopia educativa contra a sociedade civil e as suas centenárias instituições. Infelizmente, os perdedores não são só eles. Na verdade, os grandes derrotados somos todos nós.
2 comentários:
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