I. O Portugal Contemporâneo, o país que é aquele onde vivemos, é filho dilecto do liberalismo oitocentista, iniciado nos primórdios do século XIX.
Com os seus inúmeros defeitos e escassas virtudes, foi com o constitucionalismo do começo desse século que Portugal entrou na sua pobre e triste modernidade. Atrasada, convulsiva, sem princípios e valores bem definidos, invariavelmente estrangeirada, ora influenciada pela França jacobina na súplica da Constituição a Napoleão e no primeiro texto constitucional de 22, ora submissa à Inglaterra, aliada e invasora, na outorga da Carta de 26.
Se as origens não primaram pelo brilhantismo, o que se lhe seguiu não desmereceu aquele momento primordial. Pobre e atrasado, Portugal lançou-se numa guerra fratricida entre aquilo que pensara ser um mundo antigo que ia deixar e um novo que se lhe iria abrir. Os acontecimentos que se seguiram a 1834, não nos deixaram viver muito tempo essa ilusão. E o país permaneceu adiado, o desenvolvimento a marcar passo e o futuro continuou sem chegar.
Quando, já nos finais do século, mais uma vez se dividiu a opinião pública entre a Causa Real e a República, já não era verdadeiramente dessa definição que Portugal carecia. O que se seguiu ao 5 de Outubro de 1910 não foi, de resto, muito diferente do que antes existia. Mudaram-se algumas caras, outras, como sempre, limitaram-se a mudar de careta, mas, o país político ficou na mesma. Se reinava a confusão nas Cortes, passou a reinar, muito republicamente, na Assembleia. Quanto ao mais, o mesmo de sempre: balbúrdia, trapalhadas, governos de vida efémera, golpes e contra-golpes, os partidos divididos e um enorme centro político em torno do poder, sentando-se alternadamente à mesa do orçamento de Estado, como sucedera na segunda metade do século anterior e como sucede, agora, nos nossos dias.
Quando veio, de novo, a ditadura, ela não diferiu, também, por aí além, de outras que se tinham proclamado nos últimos cem anos. Os homens de 1926 queriam, como sempre querem as forças armadas, impor a ordem no caos instalado, que lhes faz espécie, turva o espírito e desalinha as ideias. Ao abrirem as portas ao lente de Coimbra de Finanças Públicas, esperavam dele que «restaurasse» a autoridade do Estado e lhes desse um futuro aos filhos, melhor do que o passado que tinham tido e o que fora dos seus pais e avós.
E a autoridade do Estado, sem dúvida, o Doutor Salazar foi capaz de repor. Ao longo dos seus quase quarenta anos de governação, muitas vezes demonstrou que quem mandava em Portugal e nos portugueses era o Estado e, no Estado, mandava ele. Com Portugal e os portugueses gratamente a obedecer.
Quando, em 68, caiu, deixou um país desinserido do mundo de então. Uma vez mais, ao lado da História e do Tempo.
O que veio de então para cá, já faz parte das nossas existências singulares. Mesmo os que ainda não eram nascidos, pertencem a esse tempo, porque esse tempo foi o tempo dos seus pais e, com eles, partilham a memória do seu passado que fazem presente. O nosso Portugal Contemporâneo não é, nem por isso, muito distinto do de há trinta, setenta, cem, duzentos anos atrás. Ajustados à época, os problemas continuam os mesmos de sempre: Portugal atrasado, Portugal na cauda da Europa, Portugal pobre, Portugal em crise orçamental, Portugal a perder tempo e o Portugal do tempo perdido.
II. O blogue a que hoje damos vida, inicia-se na véspera do aniversário de uma das mais importantes datas da refundação da República. Foi buscar o nome à obra maior de Oliveira Martins, o seu «Portugal Contemporâneo». Assumimos a falta de originalidade, mas, pelo menos, não o fizemos com a pretensão, que seria mesmo arrogância, de copiar o estilo incomparável e genial daquele que foi, em nossa opinião, o maior historiador político português de sempre. Se nos apropriámos do nome da obra foi porque ela reproduz exemplarmente o espírito daquilo que queremos aqui ir fazendo: um diário de um país distante, ou um diário distanciado deste país.
O Portugal Contemporâneo cuidará, assim, de acompanhar, à medida das disponibilidades do seu autor, o dia-a-dia do país em que nascemos, crescemos e, um dia, haveremos de morrer. Sendo um diário, não se irá circunscrever ao que vai acontecendo a cada dia que passa. Talvez prestemos mesmo até mais atenção ao que aconteceu já.
Será um diário de apontamentos políticos, politicamente descomprometido e desapaixonado. Sem agenda própria, causas ou bandeiras, e sem entusiasmos pueris. Queremos ir olhando para Portugal, para o de hoje e para o de ontem, e ir tomando algumas notas de viagem. Quem vier aqui em busca de adrenalina e de emoções fortes, de polémicas e de causas inflamadas, perde, pois, o seu tempo. Queremos fazer um blogue tranquilo, distanciado, embora tendenciosamente descomprometido.
Porque, como é da natureza das coisas, cada observador transmite o que vê, à medida do que pensa. Não pretendemos fazer nem mais nem menos do que isso mesmo.
24 novembro 2005
portugal contemporâneo
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32 comentários:
Muito bem.
A seguir com toda a atenção.
Abraços,
Ora muito bem vindo!
Vou estar atento e prometo ser leitor interessado.
Felicidades
Está muito bonito o blog.
Muito bom gosto.
Estou a ver que a ausência blogosférica não durou muito. Ainda bem!
Bem vindo de volta.
Grande Rui,
Foste mais expedito do que eu!
Um abraço,
Rodrigo Adão da Fonseca
Bem vindo
Felicidades
AMNM
Bem vindo de volta.
Abç.
Porque deixaste de blasfemar?
Bem-vindo de regresso à actividade, caro Rui!
AA pelo aAdF
:)
Muito bem.
Por impossiblidade nao "postei" no ult. post no Blasfémias.
Deixou aqui os meus votos de felicidades :)
Seja bem regressado. Já o tenho nos favoritos.
cordobes
Agora so falta o RAF. Teria sido muito mau privarem-nos da vossa escrita.
Good luck!
Bom regresso!
Boa sorte...
Ainda bem que a ausência foi curta.
Bem vindo!
Espera-se que o melhor do Blasfémias aqui possa continuar. Um abraço e boa sorte,
Adolfo (aAdF)
Um blog a acompanhar.
Parabéns pelo regresso!
Ja pagou direitos de autor ao VPV?
Boa Sorte. E muito Hobbes...
um abraço
Boa continuação.
Mais um blogue para os favoritos. Continuarei a ler-te :-)
Um abraço
Mais uma visita obrigatoria. Boa sorte Rui.
abraço
idem, idem, idem,
É sempre um prazer ler os posts do Rui,que perfumavam as Blasfémias.
ora viva rui! e que simpatia o linkinho logo a mim que nem posso retribuir porque não os uso.
Beijinhos vou passando por cá
Bom regresso.
Passa a ser leitura obrigatória.
Ora então muitos parabéns pela iniciativa. Que conte muitos - o Rui e, já agora, o Portugal contemporâneo!
Votos de bom trabalho.
Como amante incondicional de Portugal Contemporâneo, de Oliveira Martins, a que recorro há mais de 20 anos, prometo estar atento. Mas já agora, ao ler o seu primeiro post sobre a atribulada vida do liberalismo do séc XIX, aflorou-me uma questão. Até que ponto teria sido possível ter sido de outro modo? Qual era a, ou as, alternativa(s), período a período?
Pergunta retórica, talvez? Mas suscitada pela sua prosa.
Parabéns! Já está linkado ao Politica Pura. Um abraço. JPD
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