I. O brilho vermelho: o encanto ocidental pela URSS
No limiar da Grande Depressão, nas décadas de 1920 e 1930, o sistema soviético aparecia para muitos intelectuais do Ocidente como uma promessa urgente: um modelo de progresso rápido, pleno emprego, racionalidade planificada, uma utopia possível em contraste com o caos do capitalismo em colapso. A miséria, o desemprego e o desarranjo social que se espalharam nos EUA e na Europa tornavam a URSS um espelho tentador — “o socialismo em ação” — para aqueles que queriam acreditar numa alternativa mais generosa, mais justa, mais disciplinada.
Muitos escritores, filósofos, economistas e artistas deixaram-se seduzir por essa versão idealizada da URSS, muitas vezes apoiados por viagens de propaganda e visitas guiadas cuidadosamente controladas. André Gide, por exemplo, visitou a União Soviética e em Retour de l’U.R.S.S. (1936) publicou suas reservas — mas também ajudou a popularizar o ideal soviético entre os círculos literários franceses. (Wikipedia) Outro exemplo são os Webbs (Beatrice e Sidney), intelectuais britânicos que produziram um livro favorável à URSS, Soviet Communism: A New Civilization? (1935), tentando demonstrar que o experimento social soviético era um avanço civilizatório. (PagePlace)
O papel da imprensa foi central: figuras como Walter Duranty, correspondente em Moscovo para The New York Times, publicaram relatos que minimizavam a fome e o sofrimento, e elogiaram industrialização e progresso, enquanto ignoravam ou encobriam evidências de repressão e inanição massiva (notadamente o Holodomor ucraniano). (Wikipedia) Duranty, posteriormente, foi duramente criticado por essas omissões.
Eugene Lyons, um jornalista americano que viveu anos em Moscovo, tornou-se célebre por ter começado como simpatizante ou “fellow traveller” do regime soviético e depois se transformado em crítico furioso. Em Assignment in Utopia (1937), relatou sua desilusão com os métodos repressivos do Estado soviético e a brutalidade por trás da fachada socialista. (Wikipedia)
Parte do encanto nasceu da cegueira voluntária: muitos intelectuais viam na URSS aquilo que queriam ver — o progresso, a igualdade, uma ordem social coerente — e ignoravam ou relativizavam os sinais de limpeza política, campos de trabalho e censura. Paul Hollander, em estudos sobre intelectuais franceses e britânicos, argumenta que muito do entusiasmo pró-soviético vinha menos de um conhecimento profundo da URSS do que de uma rejeição do próprio Ocidente, suas crises e contradições — e de medo de ser tachado de “reacionário”. (OpenEdition Journals)
O cerco à fé soviética começou a se romper já no fim da década de 1930, com os expurgos internos, os julgamentos show trials e, sobretudo, o Pacto entre Hitler e Estaline (1939). Um regime que se dizia anti-fascista aliava-se ao fascismo – era um golpe moral difícil de justificar. Muitos intelectuais que ainda apoiavam Moscovo reconheceram o impasse. (socialistregister.com)
Ao longo da Segunda Guerra Mundial, a URSS ganhou prestígio por sua resistência ao nazismo, o que reabilitou temporariamente a imagem de Estaline no Ocidente. Mas esse brilho era frágil. Após a guerra, com a escalada da Guerra Fria e as revelações sobre as práticas de repressão nos países do Leste Europeu, ascendeu o ceticismo intelectual. Em 1956, Nikita Khruschov denunciou os crimes de Estaline em seu famoso discurso secreto, e muitos dos fieis do comunismo soviético mudaram de lado ou se tornaram críticos internos.
A partir desse momento, a maioria dos intelectuais que outrora cantara as virtudes soviéticas se reenquadraram: alguns abandonaram o marxismo, outros propuseram formas mais “humanistas” ou críticas de esquerda (como o marxismo ocidental, o existencialismo ou o pensamento crítico pós-guerra). Figuras como Arthur Koestler, Jean-Paul Sartre (em certa fase), Albert Camus, Hannah Arendt ou Raymond Aron tornaram-se símbolos da ruptura com o mito soviético.
Assim, por volta de 1956–1960, o encanto vermelho havia se dissipado amplamente; restavam somente bolsões de culto e apologistas dogmáticos.
II. O encanto tecnocrático moderno: China, plataformas e Estado digital
Décadas depois, surge uma nova fantasia: a fusão entre Estado, corporação e tecnologia. Não mais a promessa de iguais e proletários, mas a promessa de eficiência absoluta, de governança através de dados, de controle populacional “algorítmico” com aparência de neutralidade. Em vez do comunismo marxista-leninista, temos o tecnocratismo empresarial-Estado, onde os dados são a nova matéria-prima da política — e os gigantes tecnológicos são os novos barões do poder.
A China como modelo vivo
A China contemporânea oferece um laboratório real dessa nova forma de governo híbrido. Sob a liderança de Xi Jinping, o Estado não apenas regula as grandes empresas tecnológicas — ele as incorpora como parte da infraestrutura de poder. Empresas como Alibaba, Tencent, Huawei e megaprojetos de “cidades inteligentes” operam em estreita cooperação com o Estado, muitas vezes sob supervisão direta do Partido Comunista. O governo chinês desenvolveu sistemas de vigilância massiva, reconhecimento facial, sistemas de crédito social e redes de monitoramento urbano, consolidando o controle social através de tecnologia.
Não se trata apenas de “implantação estatal”, mas de uma governança que utiliza dados como insumo estratégico — controlando quem circula, quem empresta, quem consome, quem tem crédito e quem tem voz. A China projeta essas tecnologias para fora, por meio de exportações de vigilância digital e “modelos de governança” para países em desenvolvimento.
Ellison, Oracle e a ideia de uma “noite orwelliana” empresarial
No Ocidente, Larry Ellison — cofundador da Oracle — tem sido um dos gurus mais explícitos dessa fusão entre Estado e plataforma. Recentemente, em eventos internos da empresa, Ellison falou sobre um futuro em que “os cidadãos estarão sempre sob vigilância uns dos outros e da polícia”, e de como a inteligência artificial irá supervisionar o comportamento humano em tempo real. (Fortune)
A Oracle, por seu lado, já tem laços profundos com o Estado (nos EUA e internacionalmente) em contratos de defesa, bases de dados governamentais e infraestrutura de nuvem segura. Ellison publicou em entrevistas sua visão de uma “cloud nacional segura”, interligando dados de saúde, segurança, finanças e migração. Essa visão é, em muitos aspectos, uma proposta de plataforma para internalizar o Estado numa arquitetura corporativa.
A semelhança com o modelo chinês é tentadora: no lugar do Partido, uma aliança Estado–empresa; no lugar da planificação econômica estatal tradicional, algoritmos que operam os fluxos sociais; no lugar da ideologia marxista, um discurso de eficiência, segurança e “gestão electoral neutra”. E, ao contrário dos intelectuais soviéticos que admiravam à distância, esses promotores contemporâneos tentam implementar esse modelo — literalmente construir a infraestrutura para copiar e colar.
Um ensaio da Georgetown’s Center for Security and Emerging Technology pergunta exatamente como empresas ocidentais — como a Oracle — se tornaram “parceiras da vigilância chinesa”, ao vender tecnologia de banco de dados para governos locais chineses e participar de regimes de controle de dados regionais. (CSET)
A diferença fundamental: implementação real vs fantasia intelectual
Uma distinção crucial separa os dois momentos históricos: os intelectuais pró-soviéticos no Ocidente nunca poderiam levar para casa o modelo soviético (ou melhor, não poderiam implementá-lo de modo direto em sociedades liberais já estabelecidas). Eles admiravam, debatendo nos salões e nas bibliotecas — mas não tinham como converter as instituições democráticas ocidentais em réplicas estatais totalitárias. O projeto era, em grande medida, utópico, simbólico, crítico — não estrutural.
Hoje, porém, os apoiantes do modelo chinês / tecnocrático digital não se contentam com a contemplação: eles oferecem plataformas, parcerias, contratos, tecnologia que permitem exportar o modelo — ou parte dele — para democracias fragilizadas. Em muitos casos, essas plataformas já existem, são contratáveis e podem ser integradas nas administrações públicas. Não é teoria: é infraestrutura.
Em outras palavras: os “excursionistas vermelhos” dos anos 1930 eram pobres de poder real. Os oligarcas tecnológicos de hoje têm capital, influência e meios concretos de moldar governos — aqui e lá. São menos idealistas, mas muito mais perigosos.
Riscos e consequências
Substituição da política pela técnica: onde antes havia debate, responsabilidade eleitoral e deliberação, agora há algoritmos, contratos e “back-offices” invisíveis.
Concentração de poder corporativo: poucas empresas controlam as plataformas centrais da vida social — dados de saúde, segurança, redes civis, crédito.
Vigilância naturalizada: como Ellison disse, “os cidadãos estarão em seu melhor comportamento porque sabremos tudo o tempo todo” — uma forma de disciplina de autopreservação constante. (Fortune)
Dificuldade de reversão: uma vez integradas as infraestruturas, desfazê-las é quase impossível por custo institucional, político, técnico e cultural.
Erosão da soberania democrática: quando o Estado depende de empresas para governar, quem de fato governa? A lógica do mercado ou a lógica política?
III. Reflexões finais: continuidade, distorção e advertência
O encantamento intelectual pelo poder sempre tem duas faces: a face da utopia e a face da servidão. Na era soviética, muitos idealistas caíram na armadilha de acreditar que poderiam controlar a técnica e a máquina estatal para fins emancipatórios. Na era digital, os oligarcas tecnológicos apostam que podem fundir Estado e empresa não apenas como provedor, mas como árbitro invisível.
Mas há uma contradição essencial: o poder concentrado funciona melhor quando é invisível, opaco, e quando os sujeitos governados não percebem que estão governados por máquinas além de homens. A ideologia de liberdade liberal — apesar de sua fragilidade atual — fica vulnerável diante dessa tecnopolítica porque ainda depende de mecanismos públicos de transparência, auditoria e contestação.
Talvez o grande perigo do modelo contemporâneo seja esta neutralidade ilusória: o discurso não é “viva ao Partido!” nem “proletariado triunfará!” — mas “isto é melhor, mais eficiente, mais seguro”. São promessas sedutoras — e, se não estivermos atentos, podem se tornar o novo encantamento: não vermelho, mas cinzento digital.
PS: Texto resultante de um "conversa" com o ChatGPT
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