08 maio 2025

CUATRECASAS - Uma Máfia Legal (38)

 (Continuação daqui)

Raquel Freitas (Quequé) vista pelo cartoonista Fernando Arroja


38. O Grande Mistério (V)


V. Lágrimas

A advogada de defesa ainda não ia a meio do interrogatório ao seu colega  Avides Moreira, e o magistrado-substituto já a estava a interromper de forma intempestiva e intimidatória, a tal ponto que ela protestou com veemência:

Sentado e calado no banco dos réus, fazia agora três meses, eu pensei:

-Escusavas de ser tão bruto, pá!... a coisa está a correr de forma tão cordial...

Depois, ao longo do dia, notei os olhares ternos que ele trocava com o Papá Encarnação, algo que o magistrado X nunca fizera. E se tinha intimidado a advogada de defesa de manhã, ele derreteu-se à tarde quando interrogou a Quequé, que era testemunha de acusação e advogada da Cuatrecasas:

-O que é que um advogado sente quando chamam ao seu trabalho uma palhaçada jurídica?

A puxar assim para o sentimento, até eu desejei ser advogado da Cuatrecasas por um momento.

E a Quequé, muito magoada:

-Sente que há interesses obscuros...até podia levar ao encerramento da sociedade... sente que não há diferenças... senti-me insultada na TV...

Sentado no banco dos réus, até me vieram as lágrimas aos olhos.

Estava a ser uma tarde de lágrimas. Tinham começado à hora do almoço por causa do meu pai.

Logo no intervalo da manhã, depois de dar por falta do magistrado X, andei desvairado pelo átrio do tribunal à procura da resposta ao Grande Mistério:

-Por que é que o magistrado X não compareceu a esta sessão do meu julgamento?

Não a encontrei e voltei desolado para a sala de audiências. Foi nessa altura que pensei que devia ser mais contido e refrear o meu entusiasmo. Eu queria uma resposta, mas uma resposta verdadeira. E aquele edifício tinha agora para mim o significado de um antro da mentira, onde as mentiras pareciam brotar espontaneamente até das paredes.

No intervalo para almoço saí  outra vez disparado à procura da resposta. Quase não almocei. Regressei depressa ao edifício do tribunal sempre em busca de desvendar o Grande Mistério.

Até que alguém, muito habituado aos rumores dos tribunais, talvez para me acalmar, me disse:

-Parece que lhe morreu a mãe...

Foi então que me lembrei do meu pai. Também o meu pai morreu naquele dia, 4 de Maio. Mas o meu pai  não parece que morreu, antes parecesse. O meu pai morreu mesmo.

Tinham passado 23 anos. Foram para ele as minhas primeiras lágrimas da tarde, só depois as verti também pela Quequé.

Afinal, descobriria eu mais tarde, quem tinha morrido nesse dia era a mãe do magistrado António Vasco Guimarães, director do DIAP-Porto quando a minha queixa deu entrada no Ministério Público, um magistrado nomeado pelo PSD e que eu voltaria a encontrar processualmente no Tribunal da Relação do Porto. Quanto à mãe do magistrado X, nem sinais. Para um professor de Teoria das Probabilidades como eu, era pouco provável que tivesse morrido nesse dia também. No fim de contas, as mães dos magistrados do Ministério Público do Porto não morrem assim por atacado numa radiosa manhã de Maio.

O magistrado X acabaria por regressar na sessão seguinte, mas vinha muito mudado, literalmente de marsapo murcho. Parecia indiferente ao julgamento e as testemunhas que estavam por inquirir eram sobretudo testemunhas abonatórias. Poderia ter tirado tudo o que quisesse da única testemunha de defesa, mas o interrogatório foi morno e quase indiferente.

No dia a seguir, consagrado às alegações finais, o magistrado X fez tudo sem convicção. Esqueceu-se das notas no gabinete, fez um discurso embrulhado acerca do respeito que é devido aos políticos e aos advogados e no fim, com o ar rotineiro que é próprio de um burocrata de acusação, pediu a minha condenação, não sem antes referir que a jurisprudência do TEDH não se aplicava a Portugal.

O magistrado X (para não falar da minha própria advogada) deve ter aprendido a lição. Quem se mete com uma máfia do calibre da Cuatrecasas, leva!

(Continua acolá)

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