(Continuação daqui)
12. Máfia russa
Poucos meses depois de eu ter proferido o comentário televisivo e de a Cuatrecasas ter apresentado uma queixa-crime contra mim, subscrita pelo director do seu escritório no Porto, Paulo Rangel, pelo sub-director, Filipe avides Moreira e ainda pelo advogado Vasco Moura Ramos, o Paulo Rangel foi despedido da Cuatrecasas, sucedendo-lhe na direcção o Avides Moreira.
Eu sei o que pensaria se fosse o presidente, em Barcelona, desta grande multinacional da advocacia, ao tomar conhecimento do que se passava com o remoto e pequeníssimo escritório do Porto: "Então aquele parolo [referindo-me ao Rangel] para resolver um conflito de paróquia relativo a um comentário num canal de televisão que ninguém vê, arrasta uma sociedade desta dimensão atrás dele!?". E a ordem sairia fulminante para os meus colaboradores. "Despachem aquele tipo!".
Acontece é que a situação viria a repetir-se. Poucos meses depois de eu ter sido condenado no Tribunal de Matosinhos por ofensas à Cuatrecasas - um julgamento que eu cobri quase em directo no blog Portugal Contemporâneo e que deve ter feito o gáudio dos concorrentes da Cuatrecasas - foi a vez do Filipe Avides Moreira ser despedido. Arranjou emprego noutra sociedade de advogados, mas de director da Cuatrecasas passou para chefe de departamento na outra sociedade. Um caso de promoção de cavalo para burro.
Por essa altura o escritório do Porto devia estar em tal estado que a Cuatrecasas nomeou para o dirigir um seu advogado baseado em Lisboa, Paulo Sá e Cunha. Estavam a correr no Tribunal da Relação do Porto os recursos, meu e do Rangel, porque, obviamente a Cuatrecasas não recorreu da decisão de primeira instância. O desgaste que o processo lhe trouxe já tinha sido suficiente.
E viria a ser maior.
Eu não sou a primeira pessoa a associar a Cuatrecasas à máfia. Outros o fizeram antes de mim e o primeiro foi até um magistrado do Ministério Público espanhol em 2010 numa reunião que teve lugar em Madrid com os seus congéneres americanos para discutir o crime organizado. Na acta dessa reunião, divulgada pelo Wikileaks, a certa altura o magistrado José Grinda é citado a perguntar retoricamente por que é que a Cuatrecasas aparece sempre a defender a Máfia Russa:
Cito da acta:
"En cuanto a la protección legal, Grinda afirmó que la capacidad del Gobierno de combatir el crimen organizado depende en cierta medida de si la mafia cuenta o no con los mejores despachos de abogados. En este sentido se preguntó retóricamente "Por qué Cuatrecasas no para de defender miembros de la mafia rusa?"
-Será que a Cuatrecasas merece ser tratada assim, como uma instituição mafiosa?
O estatuto das sociedades de advogados diz que estas sociedades não estão sujeitas ao Código das Sociedades Comerciais. A este Código submetem-se todas as sociedades do país que vendem algum bem ou serviço, mas as sociedades de advogados não vendem coisa nenhuma. Fazem justiça, segundo elas. Daí a excepção.
Escusado será dizer que as grandes sociedades de advogados também não estão sujeitas às leis financeiras do país, embora o grosso da sua actividade seja de natureza financeira. Não estão sujeitas às leis financeiras nem às autoridades de supervisão a que estão sujeitas as sociedades financeiras, incluindo os bancos - Banco de Portugal, CMVM e, no caso das seguradoras e fundos de pensões, pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões. A razão é que elas não fazem actividade financeira. Fazem justiça, segundo elas.
As sociedades de advogados não apenas estão isentas das leis que regem a actividade comercial e financeira do país, como se regem disciplinarmente pelo Estatuto da Ordem dos Advogados. Quer dizer, um Estatuto e uma Ordem que foram concebidos para defender a advocacia, enquanto profissão de prática individual e liberal, são agora estendidos a grandes corporações capitalistas que se dedicam à actividade comercial (v.g., vendendo serviços de assessoria jurídica e fiscal) e financeira (v.g., intermediando grandes operações financeiras, como aquisições e fusões de empresas).
Uma das joias desse Estatuto é o sigilo profissional que permite às sociedades de advogados fazerem sob segredo profissional aquilo que qualquer empresa financeira, incluindo os bancos, é obrigada a fazer com total transparência, e a reportar as operações suspeitas às entidades de supervisão e ao Ministério Público.
É altura de perguntar:
-Não estando as sociedades de advogados sujeitas às leis comerciais e financeiras do país e gozando de um estatuto especial de liberdade e de opacidade, será que elas vivem em rédea livre?
Claro que não, podia lá ser em Portugal - um país em que se presume que todo o negócio envolve trapalhões e vigaristas -, as sociedades de advogados não estarem sujeitas à supervisão de ninguém.
Claro que estão. Estão sujeitas à supervisão da Ordem dos Advogados. Regem-se por leis corporativas.
Acontece que a Cuatrecasas, como grande sociedade de advogados que é, tem uma grande influência na Ordem dos Advogados. Por exemplo, a presidir ao órgão máximo de justiça da Ordem dos Advogados, que é o seu Conselho Superior, esteve até há pouco tempo um advogado que foi lá posto pela própria Cuatrecasas - precisamente o advogado Paulo Sá e Cunha. Resulta que, sob a sua protecção, a Cuatrecasas nunca irá cometer qualquer infracção disciplinar e, muito menos, qualquer crime. Passa tudo.
A conclusão que se impõe é a seguinte. Quem, algum dia, desejar branquear capitais, ou envolver-se em outras operações financeiras que impliquem crimes (v.g., fuga ao fisco, financiamento ilegal de partidos políticos), não deve procurar um banco ou uma sociedade financeira. Ainda vai preso.
Deve procurar uma sociedade de advogados, de preferência uma multinacional, como a Cuatrecasas, para pôr o dinheiro ao fresco noutro país, esperando que nenhuma Comissão de Blanqueo de Capitales se intrometa no caminho.
(Continua acolá)

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