13 fevereiro 2025

O Muro da Vergonha (43)

 (Continuação daqui)



43. Uma cultura de cunhas

O Muro da Vergonha não separa apenas protestantismo de catolicismo, capitalismo de socialismo, riqueza de pobreza. Separa também transparência de corrupção, como o recente relatório da Transparency International veio mostrar - os países de tradição católica  perdem catastroficamente para os países de tradição protestante no que respeita à corrupção, seja na Europa seja na América (cf. aqui).

Não há provavelmente no mundo quem tenha levado a corrupção tão longe como a Igreja Católica, ao ponto de, durante um tempo, institucionalizar a corrupção do  próprio Deus. Em nome de Deus, os padres vendiam lugares no céu, as famosas indulgências que viriam a suscitar a reforma protestante do século XVI. Quem quisesse a salvação era só pagar à Igreja, que Deus concedia-lha.

Uma das consequências dessa reforma foi a abolição da figura do padre no cristianismo protestante,  bem como a abolição da veneração de Maria e dos santos, e pela mesma razão.

Na religião católica, o crente não se relaciona directamente com Deus, estando esse relacionamento reservado a uma casta - os padres. O crente, chamado leigo (visto como um bronco sem conhecimentos nem maneiras para falar com Deus) dirige-se ao padre e este é que fala com Deus em nome dele. A relação entre o homem e Deus é intermediada pelo padre. A cultura católica é uma cultura de intermediários.

Acontece o mesmo com a Virgem Maria. Não têm faltado movimentos na Igreja para divinizar a figura de Maria, que no catolicismo popular tem uma centralidade muito maior que o próprio filho. A verdade, porém, é que a despeito da veneração popular, Maria não é deusa. A sua importância teológica deriva de ser mãe de quem é e esposa de quem é.

O centro da família na cultura popular católica é a mãe, que é quem manda na casa, às vezes referida popularmente como a "patroa". Por isso, quem quer pedir um favor ao pai ou ao filho, dirige-se à mãe porque sabe que eles acabarão a fazer aquilo que ela lhes manda fazer.  Daí a centralidade de Maria na religiosidade popular católica e da própria Igreja, que é a figura teológica de Maria.

Quem quer pedir um favor a Deus, seja ao Pai seja ao Filho, dirige-se à Igreja que acabará por fazer chegar o pedido ao destinatário através de algum dos seus agentes, a Virgem Maria, os padres ou os santos.  

A cultura católica é uma cultura de cunhas, o fim pretendido é sempre atingido com a intermediação de alguém que, naturalmente, merece receber uma compensação pelos serviços que presta. Pelo contrário, ao acabar com os padres e a veneração de Maria e dos santos, e ao estabelecer uma relação directa (transparente, sem intermediários) com Deus, o protestantismo acabou com as de cunhas que, aos olhos da cultura democrática que aos olhos ele próprio criou, passaram a ser consideradas práticas corruptas. 

(Continua acolá)

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