28 junho 2024

A Decisão do TEDH (247)

 (Continuação daqui)

(Não é certo que o Papa alguma vez tenha dito tal coisa)


247. Um anjo triste

O actual Governo possui 18 ministros, dos quais dez (55%) são advogados. Entre os dez advogados, quatro estão ou estiveram ligados a sociedades de advogados, um deles à Cuatrecasas. A própria ministra da Justiça é herdeira de uma das maiores sociedades de advogados do país, a PLMJ.

Tem sido esta a regra em democracia - os advogados em maioria no Governo e na Assembleia da República, que são os órgãos de poder onde se fazem as leis. 

Nada disto seria um mal se os advogados fossem independentes uns dos outros. Mas não são. Estão todos vinculados a uma corporação com o seu próprio código de  conduta e uma justiça privativa. A Ordem dos Advogados constitui o mais poderoso e o mais influente lóbi que existe no país.

Foi, obviamente, sob a influência da Ordem dos Advogados que o anterior Governo estendeu a Lei da Amnistia às infracções disciplinares até de instituições privadas (cf. aqui, artº 6º).

Nenhuma empresa privada que tem um processo disciplinar contra um empregado que se apropriou indevidamente do seu dinheiro ou que agrediu um colega tem interesse na amnistia. Pelo contrário. Mas a Ordem dos Advogados tem um imenso interesse - e poder de influência para materializar esse interesse.

As queixas na Ordem dos Advogados são mantidas secretas até ser produzida uma acusação (cf. aqui, artº. 125º ). Ora, como a esmagadora maioria das queixas nunca vê a luz do dia sob a forma de uma acusação, ou porque prescrevem ou porque são amnistiadas, a consequência é que a Ordem dos Advogados, na esmagadora maioria dos casos, pratica uma justiça privativa e secreta, que é própria das organizações criminosas.   

O mais interessante de tudo isto é a impostura. A Lei da Amnistia foi obviamente feita sob pressão da Ordem dos Advogados e para favorecer a Ordem dos Advogados. Mas é o presidente do Conselho Superior da Ordem dos Advogados - que é o órgão máximo de justiça da Ordem - que vem a público dizer, primeiro, que a lei está mal feita, segundo, que "85%, talvez até um pouquinho mais", dos processos existentes na Ordem seriam deitados ao lixo (cf. aqui). Lei perfeita seria aquela que os deitasse a todos. O código de silêncio ou omertà seria então perfeitamente respeitado: entre os advogados não há prevaricadores e muito menos criminosos. São todos uns anjinhos.

Mas o cúmulo da impostura por parte da Ordem acerca da Lei da Amnistia nem sequer veio das palavras do presidente do seu Conselho Superior - um advogado (ex-Cuatrecasas, agora na Abreu) que é conhecido por defender grandes criminosos e que mais uma vez parece ter cumprido a sua missão nesta Lei da Amnistia. O cúmulo da impostura foi a  publicação  no site da Ordem de um artigo de uma advogada (cf. aqui) que se queixava de o Governo ter confiscado o poder jurisdicional das instituições privadas (incluindo, naturalmente, o do Conselho Superior da Ordem dos Advogados.)

Coitadinho do presidente do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, o advogado Paulo Sá e Cunha. O Estado confiscou-lhe o poder para ele poder julgar as patifarias da Cuatrecasas, das suas congéneres, e de alguns dos seus colegas.  Foi tudo para o lixo. Que triste que ele deve estar. 

Eu também. Não há nada mais triste do que imaginar um anjo triste.

(Continua acolá)

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