08 junho 2024

A Decisão do TEDH (211)

(Continuação daqui)



211. Só por advogados


Aos cinco anos de idade o meu pai inscreveu-me como sócio do Benfica fazendo de mim um benfiquista desde a mais tenra idade.

Assisti à estreia do Eusébio, que permanece até hoje o meu herói da criancice, e acompanhei a epopeia europeia que conduziu o Benfica à vitória em duas Taças dos Campeões Europeus.

Não falhava um jogo do Benfica no Estádio da Luz e quando o Benfica jogava fora não perdia um relato. Havia excelentes relatadores na altura mas, acima de todos, sobressaía Artur Agostinho. Pela voz do Artur Agostinho eu viajei por todas as cidades da Europa onde o Benfica jogava e celebrei todas as vitórias que o Benfica por essa altura invariavelmente conseguia.

Para além das suas qualidades de excelente comunicador, existia no Artur Agostinho uma outra característica que eu muito apreciava - a sua imparcialidade, a sua isenção. 

Na altura, a grande rivalidade nacional era entre o Sporting e o Benfica, o F. C. Porto praticamente não contava, e o Artur Agostinho era adepto do Sporting. Porém, não recordo uma única vez em que isso tivesse tingido o seu julgamento para denegrir o Benfica. Pelo contrário, ele era um grande admirador dos jogadores do Benfica, como o Coluna, o José Augusto, o Simões, para além do Eusébio.

Em 1974 eu já vivia afastado de Lisboa, do Benfica e do futebol. Não obstante, fiquei muito surpreendido quando soube que o Artur Agostinho tinha sido preso às mãos das forças revolucionárias. Para além das alegria que ele me tinha dado em criança, ele parecia-me em todos os sentidos um homem imensamente decente, eu não via nele nada que pudesse justificar a prisão.

E, na realidade, não havia, o seu único crime era o de ter sido funcionário da Emissora Nacional, a rádio oficial do anterior regime.

Quando saiu da prisão, Artur Agostinho publicou um livro onde, com um excelente sentido de humor, reflectia sobre a sua experiência prisional. Fazendo justiça à sua qualidade de grande comunicador, o título do livro dizia tudo: "Até na prisão fui roubado!".

Eu comprei logo o livro e guardei-o. Hoje, na idade em que estou, que já é própria para um balanço de vida, se vier a escrever um livro sobre o mesmo tema - o roubo institucionalizado -, não lhe darei o mesmo título porque seria um plágio do Artur Agostinho e eu nunca estive na prisão.

Dar-lhe-ei o título: "Só por advogados fui roubado!".

(Continua acolá)

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