20 fevereiro 2024

Mil e uma (3)

(Continuação daqui)



3. Emprenha pelo ouvido

É talvez a mais decisiva consequência da reforma protestante que ocorreu nos países do norte da Europa e que serviu de berço ao desenvolvimento da democracia - o Princípio Sola Scriptura.

O catolicismo acredita que Deus está nas Escrituras mas também na Tradição, e quem interpreta as Escrituras à luz da Tradição é a Igreja. A Verdade é, portanto, institucional e comunicada pela elite  (padres, professores) ao povo (leigos, ignorantes). O povo não tem que se esforçar para chegar à Verdade porque ela vem de cima, da autoridade institucional. Para utilizar uma expressão popular, num país de tradição católica o povo "emprenha pelo ouvido", não tem opiniões próprias, nem quer tê-las, porque quem as teve foi frequentemente perseguido pela Inquisição.

Para os protestantes, Deus está apenas nas Escrituras (Princípio Sola Scriptura) e, tendo o protestantismo banido a Igreja e os padres, qualquer pessoa que queira chegar a Deus (Verdade) tem de estudar as Escrituras e discutir a sua interpretação com outras pessoas igualmente empenhadas nesse fim. A Verdade é pessoal e chega-se a ela pela discussão livre das ideias (daqui a importância da liberdade de expressão para os protestantes que viria a ser o direito fundacional da democracia).

A democracia tem sido definida como o "governo por opinião" e é aqui que surgem vários problemas com a implantação da democracia num país de tradição católica, como Portugal.

Primeiro, o povo está habituado a lidar com verdades e não com meras opiniões. Segundo, e mais importante, o povo está habituado a que as verdades lhe venham de cima, da autoridade institucional, e não a ser ele a procurá-las, muito menos a ter de estudar para as fundamentar. Terceiro, quanto ao debate livre das ideias, é qualquer coisa que o povo de tradição católica não conhece nem sabe para o que serve.

(Continua acolá)

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