AS TENTAÇÕES DE SANTO ANTÃO
"Tedium is the worst pain." — John Gardner
No Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), em Lisboa, está a pintura mais interessante e valiosa do País: “As Tentações de Santo Antão” — do Hieronymus Bosch (1450-1516).
O tríptico representa as tentações de Santo Antão (251-356), um ermita asceta que abandonou a família e a vida em sociedade para uma reclusão pelos desertos do Egipto (região oriental do Saara). O seu ascetismo condenou-o a jejuns prolongados e a uma dieta frugal constituída por pão, sal e água e que nunca incluía carne nem vinho.
Tudo o que sabemos sobre Antão provém de uma biografia escrita por Athanasius de Alexandria (A Vida de António), que o descreve como um analfabeto tomado por delírio religioso. Um homem que buscou Deus, através do sacrifício pessoal.
Buscou e encontrou porque depois de ser agredido por demónios que lhe apareceram sob a forma de centauros e de sátiros, que o tentaram com prazeres terrenos e o agrediram até à morte, ressuscitou e falou com Deus.
A psiquiatria e a antipsiquiatria não têm dificuldade em explicar os delírios e as alucinações de um ser humano isolado e malnutrido, sem recorrer ao Demo nem ao Altíssimo. As descrições de Athanasius, porém, foram tomadas à letra e influenciaram uma notável plêiade de escritores e pintores. Desde o escritor Gustave Flaubert (La tentation de Saint Antoine) até pintores como Hieronymus Bosch, Michelangelo e Salvador Dali.
O tríptico do Hieronymus Bosch, do MNAA, exerce um fascínio imenso sobre todos os que tiveram o privilégio de o contemplar e apela o visitante ao regresso, a sentar-se contemplativo e extasiado pelos detalhes e colorido da obra.
Filipe II (Filipe I de Portugal) foi um grande colecionador de pinturas do Hieronymus Bosch, que ornamentavam os seus alojamentos no Escorial, onde viria a falecer. E poderá ter sido ele que doou “As tentações de Santo Antão” a Portugal (não se conhece com certeza a proveniência do tríptico).
O fascínio pelas “Tentações de Santo Antão” remete-nos para algum recanto obscuro do inconsciente? Para medos primordiais ou sentimentos de culpa que aguardam castigo? Receamos os castigos inclementes do Inferno?
Penso que não!
O Inferno somos nós, é a dor imensa do tédio, da repetição do quotidiano e do sentimento de cobardia por desperdiçarmos o presente (ausência de mindfulness) e o futuro.
As representações do tríptico são magníficas porque nos retraem do tédio, pela riqueza dos pormenores, da criatividade e do colorido. Talvez até nos façam recuar a uma certa meninez.
A divina obra do Bosch liberta-nos para sonharmos que um mundo melhor é possível, se matarmos o tédio e abraçarmos a vida. O contrário do que fez o Antão.
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