28 novembro 2023

ALTAMIRA

Um chalé na Cantábria



A província da Cantábria é uma das zonas mais privilegiadas da Península Ibéria, um verdadeiro jardim entre a Baía da Biscaia e a Cordilheira Cantábrica. A faixa costeira (chamada Marina), com cerca de 10 km de largura, tem um clima ameno, suavizado pela corrente do Golfo, dotada de uma flora viçosa (Espanha Verde) e de uma fauna exuberante.

 

No Paleolítico Médio e Superior, em plena Idade do Gelo (110.000 a 10.000 AC), a Marina constituía um refúgio seguro, com recursos abundantes para as populações de caçadores recolectores.

 

A fauna da época era constituída por cavalos, bisontes, auroques (touros selvagens já extintos), veados e javalis.

 

A bacia hidrográfica, com os afluentes do Ebro e do Douro, também contribuía para a abundância que descrevi.

 

Sempre que passei na Cantábria fiquei seduzido pela paisagem magnifica, pela profusão de verde e pela beleza das praias: pequenos espaços que o mar roubou à região, certamente enamorado pela formusura da costa. Muitas vezes pensei como seria agradável ter um chalé nesta aprazível localização.

 

O mesmo teriam pensado os nossos antepassados que aqui procuraram refúgio há milhares de anos atrás — entre 30.000 e 15.000 anos (Paleolítico Médio e Superior). Procuraram e encontraram.

 

As Cavernas de Altamira são muito mais do que um chalé, com um comprimento total de 300 m, distribuídos por múltiplos compartimentos, com destaque para o salão de entrada, com luz natural e para o salão dos policromos, onde se encontram as famosas pinturas do teto.

 

Esta coleção de pinturas rupestres é, sem dúvida, uma obra incontornável do espírito humano. Eterna porque continua moderna, após 15.000 anos. Mais moderna até do que os murais que nos chegam do Egipto e de Pompeia, na minha humilde opinião.

 

Tanto engenho, energia e tempo investido nestas pinturas suscitam uma pergunta: porquê e para quê?



Imagino-me sentado no salão dos policromos, reunido com outros autóctones, talvez à luz tremeluzente de uma pequena fogueira. As imagem animadas pelo piscar da luminosidade, o som do galopar das cavalgaduras no exterior e as descrições impetuosas de caçadas e sinto-me arrastado pelo fervor do momento.

 

Mal posso esperar pela madrugada para sair com o grupo e enfrentar as feras. Os auroques chegam a ter 2 metros de altura e 2 toneladas de peso, com cornos maciços e fatais. Os bisontes ainda são maiores.

 

Sinto o coração acelerado e a minha mente a focar-se na estratégia da caça. Acometemos em grupo, como as alcateias de lobos, isolamos as presas e atacamos de forma implacável. Uma besta destas pode alimentar-nos durante vários dias.


Os pintores não saem da caverna, ficam a caprichar no seu ofício e nós repartimos a caça com eles. A presença destas pinturas é um bom augúrio do sucesso das caçadas.

 

As pinturas rupestres de Altamira invocam abundância e comunicam uma mensagem que nos impele à caça. Quase como os painéis de publicidade, os chamados “outdoors”. Procuram chamar a atenção e desencadear uma compra.

 

Pensar que estas pinturas são “arte pela arte” (conceito definido por Benjamim Constant), no sentido de prazer estético desinteressado (Kant), mostra como nos afastamos da nossa natureza e até da própria natureza.

 

Altamira tem um museu que reproduz a Caverna de Altamira e que recomendo visitar. A beleza e a “modernidade” das pinturas toca-nos muito, especialmente se pensarmos que somos descendentes destes antepassados que andaram pela Cantábria há mais de 50 gerações.



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