NOVA IORQUE
Perguntaram-me, nos meados dos anos 80, se eu admirava Nova Iorque. Eu vivia lá nessa altura, enquanto fazia a especialidade de Cirurgia Geral, e desfrutava da cidade, mas com um senão que deixei escapar:
— Adoro Nova Iorque, mas estou chocado com as diferenças acentuadas entre os bairros e até na mesma rua onde ao lado de um luxuoso empreendimento pode estar um casebre “graffitado”. E o mesmo em relação aos nova-iorquinos, enquanto alguns se pavoneiam de limusine outros são “homeless”.
A minha interlocutora revelou surpresa com o meu comentário:
— Joaquim, mas isso é o que faz de Nova Iorque uma cidade extraordinária. A variedade, a diversidade e até o contrate. Muita gente é atraída pela “Big Apple”, fazem-se à vida e tentam prosperar, mas muitos soçobram e caem na valeta. Grandes cidades oferecem grandes oportunidades, mas também grandes riscos.
Mal acabado de sair da tacanhez burguesa do meu Portugal, eu estava cego para compreender o resultado da ação espontânea dos cidadãos, o sucesso em convívio próximo com o fracasso, a beleza ao lado da fealdade, a elevação do espírito lado a lado com a degradação moral e a baixa vida.
A cultura católica aspira ao paraíso, à perfeição e convive mal com a realidade e com a diversidade. Os seres humanos, já sabemos, são capazes de atos sublimes, mas também de monstruosidades inimagináveis. Aos bons a Igreja consigna o céu e a vida eterna, mas para os maus acende a fogueira.
Talvez seja essa a razão da facilidade com que nos países católicos proliferam os autoritarismos e até a violência do Estado sobre os cidadãos. Os tiranos são tolerados porque lutam pelo Bem Comum, lutam pelo Paraíso na Terra.
Infelizmente não há Paraíso na Terra e, quase sempre, o resultado dos governos autoritários é o inferno: a mediocridade, a pobreza, a arbitrariedade e a insegurança de pessoas e bens.
Com o passar dos anos, aprendi a respeitar e aceitar os contrastes que resultam da ação livre e espontânea dos seres humanos e a fugir a sete pés dos escroques que apenas se querem aproveitar da ingenuidade da populaça.
— Sim, adoro Nova Iorque!
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