A propósito do arrendamento compulsivo de casas desocupadas, proposto pelo governo, tem surgido um debate na comunicação social acerca do confronto entre o direito à propriedade privada e o direito à habitação, ambos constitucionalmente consagrados.
Qual destes dois direitos deve prevalecer?
O direito à propriedade privada pertence à categoria dos chamados direitos naturais (de que fazem parte também outros direitos, como o direito à vida, o direito à reserva da privacidade, etc.), enquanto o direito à habitação pertence à categoria dos chamados direitos sociais (de que fazem parte outros direitos como o direito ao trabalho, o direito à saúde, o direito à educação, etc.)
Onde existe um direito tem de haver um dever ou obrigação, sob pena de o direito ser vazio de conteúdo. E é na natureza do dever ou obrigação que está a distinção fundamental entre os direitos naturais, como o direito à propriedade, e os direitos sociais, como o direito à habitação.
Quando alguém invoca o seu direito à vida não está a exigir de outrem que lhe dê vida, está antes a exigir de todos os outros que não interfiram com a sua vida (v.g., matando-o). Da mesma maneira quando alguém invoca o direito à propriedade não está a exigir que alguém na sociedade lhe dê propriedade, mas antes que ninguém na sociedade interfira com a sua propriedade (v.g., roubando-o).
As obrigações que os direitos naturais impõem sobre os outros são obrigações de carácter negativo, obrigações de não fazer certas coisas (v.g., matar, roubar).
É diferente com os direitos sociais. Quando alguém invoca o seu direito ao trabalho, está a exigir que alguém lhe dê trabalho, e a questão é: "Quem é que tem obrigação de lhe dar trabalho?" A resposta é: "Ninguém". Da mesma maneira, quando alguém invoca o seu direito à habitação é porque alguém tem obrigação de lhe fornecer habitação. "Quem?". A resposta é a mesma: "Ninguém".
Quer dizer, os direitos sociais impõem obrigações de carácter positivo sobre os outros (dar emprego, prover habitação) mas em que ninguém está obrigado. São direitos vazios de conteúdo, não são verdadeiros direitos, mas meras expectativas, algo que nós gostaríamos que acontecesse (que as pessoas tivessem trabalho, habitação, etc.) mas que ninguém está obrigado a fazer acontecer.
A menos que convencionalmente imponhamos essa obrigação sobre o Estado. É claro que o Estado pode utilizar os recursos públicos para assegurar trabalho, habitação, serviços de educação e de saúde a toda a população e preencher o vazio que caracteriza os direitos sociais. Mas estaremos então a viver numa sociedade plenamente socialista, donde desaparecerá qualquer réstia de liberdade individual.
Os direitos naturais são o produto de um longo processo de evolução a caminho de uma sociedade livre, cujos progressos têm sido mais marcantes no âmbito da civilização ocidental ou cristã. Os direitos sociais, pelo contrário, visam a construção de uma sociedade socialista, onde a comunidade, representada pelo Estado, tem uma prevalência absoluta sobre o indivíduo. É o regresso aos primórdios da civilização.
Adeus liberdade.
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