(Continuação daqui)
35. A decisão inédita e unânime do CSM
O Conselho Superior da Magistratura (CSM) organiza este fim-de-semana o seu XVI Encontro Anual em Vila Nova de Gaia, sob o tema A Independência do Poder Judicial (em relação ao Poder Político) (cf. aqui).
O CSM é o órgão de governação dos juízes, responsável, entre outras coisas, pela promoção dos juízes e pela acção disciplinar sobre eles (cf. aqui).
O CSM é composto por 17 membros, sendo oito eleitos pelos juízes e nove designados pelo poder político. Destes nove, sete são designados pela Assembleia da República (na prática, pela aliança entre o PS e o PSD, os dois únicos partidos que perfazem dois terços dos deputados, necessários para a designação) e dois pelo Presidente da República. Como, desde Ramalho Eanes, a presidência da República tem sido partidarizada entre o PS e o PSD, na prática é a aliança entre o PS e o PSD - que governa o país há várias décadas em alternância - que controla também, maioritariamente, o poder judicial.
Quer dizer, a maioria dos membros do CSM não são juízes, mas meros mandatários políticos, pelo que não há independência nenhuma do poder judicial em relação ao poder político. Na prática, aquilo que existe é uma enorme promiscuidade entre o poder judicial e o poder político (PS/PSD), com predominância deste sobre aquele, em que ambos beneficiam abundantemente, e quem sofre é o ideal de justiça e o povo português que os juízes (e os políticos) eram supostos servir. A consequência principal desta promiscuidade é a corrupção da justiça.
Não surpreende, por isso, que num inquérito de opinião entre juízes realizado recentemente ao nível da União Europeia, mais de um quarto dos juízes portugueses considerem que existe corrupção na judicatura do país - uma proporção só excedida em Itália e na Croácia (cf. aqui). E o mais recente relatório de avaliação do GRECO (Grupo de Estados Contra a Corrupção) do Conselho da Europa, de que Portugal faz parte, lamenta que, das medidas recomendadas em 2015 para acabar com a corrupção entre os juízes, Portugal não adoptou nem uma (cf. aqui).
Todos os membros do CSM, mesmo os nove que não são juízes, têm a categoria de juiz-conselheiro, a mais alta categoria da magistratura. O presidente do CSM é, por inerência, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), actualmente o juiz conselheiro Henrique Araújo.
À última contagem, desde 2015, entre juízes e procuradores do Ministério Público, passaram pelos governos PS mais de 23 magistrados (cf. aqui). O caso mais notório foi o da própria ministra da Justiça, que entrou para lá como procuradora-geral adjunta do MP e saiu de lá como juíza conselheira do STJ, cortesia do CSM. Porém, a ministra não foi ingrata para os juízes conselheiros, incluindo os membros do CSM e, em primeiro lugar, para esses, que lhe deram a promoção ao Supremo enquanto era ministra, e que lhe permitiram reformar-se do Supremo depois de sair de ministra, sem nunca lá ter posto os pés.
Conseguiu fazer aprovar em Conselho de Ministros um novo Estatuto dos Magistrados Judiciais que conferiu enormes aumentos de vencimento para os juízes conselheiros (e, portanto, para ela própria), pondo-os a ganhar muito acima do primeiro-ministro e garantindo-lhes uma reforma dourada, de que ela própria se aproveitou logo que saiu do governo (cf. aqui).
O juiz Henrique Araújo chegou à presidência do STJ e do CSM há pouco mais de um ano e tem sido uma voz no sentido de impedir as portas giratórias entre a política e a judicatura, sendo um defensor de que os juízes que decidam dedicar-se à política fiquem impedidos de voltar à judicatura (cf. aqui).
Curiosamente, porém, foi o juiz Henrique Araújo que, ainda o mês passado, deu posse como juiz do Supremo Tribunal de Justiça ao seu ex-colega do Tribunal da Relação do Porto, juiz Francisco Marcolino, que foi candidato pelo PS à Câmara de Bragança (cf. aqui), e a quem gabou as qualidades "técnicas e pessoais" (cf. aqui). Mas não apenas isso. O juiz Henrique Araújo também participou na decisão inédita e unânime do CSM de levantar a suspensão ao juiz Marcolino, que é arguido num processo-crime, abrindo-lhe as portas do Supremo (cf. aqui).
É altura, em jeito de sumário, de voltar ao tópico que no próximo fim-de-semana ocupará os membros do CSM e seus convidados em Vila Nova de Gaia.
Num dos processos em que Portugal foi condenado no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem por causa do juiz Marcolino - uma condenação que não abona muito em favor das suas qualidades "técnicas e pessoais" -, "O tribunal europeu também não deixou de questionar a composição do Conselho Superior da Magistratura, composto por juízes e por pessoas que não são da magistratura e que são nomeadas diretamente pelo poder executivo. Este facto, para o TEDH, é suficiente para pôr em causa “a independência e imparcialidade” de algumas decisões". (cf. aqui)
Quer dizer, para garantir a independência do poder judicial em relação ao poder político e a imparcialidade da justiça, prevenindo a sua corrupção, o primeiro passo é o CSM prescindir dos seus membros de nomeação política.
Não vai ser fácil porque o sistema de justiça está capturado pelo PS e pelo PSD. A menos que algum dos novos partidos - o Chega ou a Iniciativa Liberal - consiga fazer a diferença.
(Continua acolá)
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